Carlos Eduardo Nepomuceno Cabral *
É comum, nas democracias contemporâneas, que os governantes enfrentem baixos índices de popularidade no final de seus mandatos. Este é um indicador que, de certa maneira, confere vitalidade a um princípio basilar dos regimes democráticos: a rotatividade de partidos e líderes no poder.
Muitos são os desafios para a manutenção do apoio popular a governantes, especialmente de presidentes da República. Assim, a inusual popularidade do presidente Lula enseja duas questões primordiais: qual a origem desse fenômeno e quais são suas consequências e limites?
Desde 1989, não houve uma eleição presidencial a que Lula não tivesse concorrido. Ao longo dos anos, transformou sua imagem, sua postura e seu discurso. Após todas estas campanhas e da experiência no governo, acumulou capital político em todos os setores sociais e exercitou sua habilidade ímpar para mediar conflitos e costurar alianças.
Para explicar sua popularidade, algumas hipóteses podem ser enumeradas e testadas, como a identificação de grande parcela da população com a imagem do presidente, devido a seu comportamento informal e sua história de vida. Outra hipótese é a fidelização da grande massa de excluídos por meio de programas sociais como o Bolsa Família. Mas quais são as consequências e os limites de tamanha popularidade?
Valendo-se de seus índices recordes de aceitação, Lula sente-se com o aval para agir de acordo com suas próprias preferências e planos. É como se acreditasse ter o poder de transformar tudo que toca em ouro, assim como Midas – rei da mitologia grega que, presenteado por Baco com o direito a um desejo, pediu o poder de transformar em ouro tudo que tocasse.
A escolha da ministra Dilma Rousseff como pré-candidata do PT à Presidência da República – à revelia do tradicional método assembleísta de escolha de candidatos do partido – e as tentativas de transferência da popularidade presidencial para ela são bons exemplos desse complexo de Midas.
Outro caso relevante é o da gestação do projeto de marco regulatório do pré-sal, enviado ao Congresso na semana passada. Desenvolvida exclusivamente no âmbito do governo federal, sem contar com participação de outros atores interessados (como empresas privadas da cadeia produtiva do petróleo ou governadores), a proposta foi encampada por Lula e conseguiu preservar os pontos considerados essenciais pelo Planalto.
Por outro lado, a popularidade do presidente estimula nos demais atores uma volúpia antropofágica: assim como nas tribos de canibais, que se alimentavam de outros seres humanos, principalmente com o objetivo de absorver suas qualidades, no mundo político existe um efeito simbólico semelhante.
Indivíduos de menor destaque buscam vincular sua imagem à de figuras de grande prestígio com o objetivo de se apoderar de uma parcela do seu carisma. Acreditam no conceito de transferência de popularidade.
Quem não se lembra do episódio, na Marcha dos Prefeitos, das fotomontagens de obscuros alcaides ao lado de Lula e Dilma?
Muito embora o processo de transferência de votos e de imagem seja muito mais complexo, não há político governista que dispense uma ‘carona’ no carisma de Luiz Inácio.
Mas, atenção: os efeitos dos elevados índices de popularidade também têm limites. Fiando-se no amplo apoio popular que transforma em poder e influência, Lula emite diversos e arriscados derivativos políticos ao costurar alianças das mais impressionantes com o único objetivo de garantir o esplendor de seu mandato e o apoio para seus planos em 2010, a exemplo do polêmico apoio que o Planalto obrigou o PT a emprestar ao arquivamento das denúncias contra o senador José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética do Senado Federal.
Como ocorre no mercado, o mundo político também tem seu momento de cobrar dívidas, especialmente em anos eleitorais, e cabe a dúvida de se o presidente não estaria assumindo um volume de compromissos superior à sua capacidade de honrá-los em 2010. É nesse crítico momento que a estrutura política baseada nos derivativos de sua imensa popularidade poderá periclitar, caso ele não seja capaz de canalizar sua popularidade em favor de tantos aliados comensais.
Para o sucesso de seus planos, é recomendável que o presidente consiga personificar a imagem de Midas e transforme o máximo de situações que puder em ouro simbólico para quitar as dívidas que vem financiando com seu robusto capital político. Caso contrário, ficará à mercê do voraz apetite eleitoral da antropofagia política tupiniquim.
* Estudante de Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB) e presidente institucional da Strategos – empresa júnior de consultoria política.
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