O hexacampeonato do Corinthians, merecidíssimo, faz bem ao futebol brasileiro: provou que o futebol moderno pode, sim, dar certo por aqui.
Que, mesmo sem talentos fulgurantes, uma equipe com eficiente jogo coletivo e excelência tática consegue cumprir simultaneamente os dois objetivos principais do futebol: ser competitiva e dar espetáculo.
Finalmente vislumbramos a luz no fim do túnel, a volta dos gols bonitos como consequência de jogadas bem trabalhadas, ao invés da mecânica insistência nas bolas paradas e chuveirinhos, aquela obtusa aposta no chavão de que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura…
Para ser campeão brasileiro de 2011 e campeão da Libertadores (invicto) e do Mundial de Clubes em 2012, Tite montou um time que marcava poucos gols mas conseguia fazer com que geralmente bastassem, pois seu sistema defensivo era quase inexpugnável. A fórmula funcionava, mas não deslumbrava.
O ano de 2013 foi um anticlímax: o Corinthians só ganhou o Paulistão e a Recopa. Isso por força de grandes apostas que não vingaram (principalmente Pato) e das sucessivas contusões de jogadores importantes (principalmente Renato Augusto). Então, o medíocre presidente Mário Gobbi Filho trocou Tite por Mano Menezes, um ato de tamanha ingratidão que não me contive: hoje tenho vergonha de ser corinthiano.
O resultado foi um 2014 sem conquista nenhuma, nem mesmo a vaga direta para a Libertadores, obrigando o Corinthians a disputar a repescagem.
Enquanto isto, Tite foi ver o que se fazia de tão bom na Europa, observando tudo e conversando com profissionais de ponta dos grandes centros futebolísticos.
Chamado para recolocar o Corinthians nos trilhos, Tite apareceu com um novo repertório, atestando que o ano sabático lhe fizera muito bem. O esquema cauteloso dos tempos do empatite cedeu lugar a muita compactação, triangulações, velocidade e busca incessante do gol.
A crise financeira do clube, contudo, inquietou o elenco e fez três dos sustentáculos da equipe saírem: Guerreiro, Emerson Sheik e Fábio Santos. O útil curinga Petros os acompanhou. Outros, como Gil e Jadson, estiveram muito tentados a seguirem seus passos.
A crise técnica sobreveio no finalzinho da fase de grupos da Libertadores e acabou determinando a queda do Corinthians frente ao primeiro adversário no mata-mata, o insignificante Guarani do Paraguai. De quebra, deixou de ir à final do Paulistão porque sucumbiu ao Palmeiras na loteria dos pênaltis, em pleno Itaquerão! A grande sensação, num piscar de olhos, virou enorme decepção.
Começou cambaleante o Campeonato Brasileiro, sendo derrotado três vezes nas oito primeiras rodadas (depois, só o seria uma vez nas 27 seguintes). O corinthiano Juca Kfouri entregou os pontos, escrevendo que só restava lutar para não ser rebaixado e tentar montar um bom time para 2016.
Foi quando o bom relacionamento de Tite com os jogadores salvou a pátria alvinegra. Por acreditarem no seu técnico, rejeitaram ofertas vantajosas e esforçaram-se muito para viabilizar a recuperação (nas entrevistas de agora, a palavra trabalho é das mais citadas, com transparente sinceridade: percebe-se que eles realmente deram o melhor de si e estão orgulhosos disso).
Aos poucos, o time voltou a praticar o mesmo futebol do início do ano, com o 4-1-4-1 como esquema principal, mais a flexibilidade para adotar instantaneamente alternativas ao sabor das circunstâncias. Troca de passes eficiente e rápida, excelente concatenação dos contra-ataques, muitas jogadas ensaiadas e revezamento constante entre os armadores Jadson, Elias e Renato Augusto são outras características do atual Corinthians.
O dedo do técnico também se evidencia:
– nas mudanças efetuadas ao longo das partidas, quase sempre para melhor (é frequente a participação dos substitutos nos gols salvadores);
– nas soluções que encontra para sanar as deficiências do time, como a falta de um matador;
– durante boa parte do Brasileirão (os três armadores resolveram a questão, não só marcando eles próprios os tentos, como criando tantas chances para os companheiros que algumas necessariamente acabavam sendo aproveitadas – depois Wagner Love deu a volta por cima e tudo ficou mais fácil);
– na capacidade de elevar o rendimento de laterais medianos como Fagner, Uendel, Guilherme Arana e Edílson, além de conseguir nas emergências quebrar o galho com o improvisado Yago, já que o Corinthians não tinha disponibilidade financeira para contratar coisa melhor;
– na lapidação de jovens promissores como Luciano, Rodriguinho e Lucca (os dois últimos a caminho do estrelato e o primeiro ora se curando de uma contusão que o vitimou no melhor momento de sua carreira); e
– na recuperação de jogadores que estavam em baixa e voltaram ao ápice, como Felipe, Jadson, Ralf e Wagner Love.
A pergunta que não quer calar é: até quando Tite continuará tirando leite de pedra e abarrotando a prateleira do Corinthians de troféus importantes, enquanto Dunga conduz a Seleção Brasileira aos trancos e barrancos (com possibilidade de não nos classificar para o Mundial de 2018 e a certeza de que, campeão, ele jamais será como técnico)?
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.
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