Erich Decat
Os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara devem votar hoje (6) o polêmico projeto de lei (PL 98/03), de autoria do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que regulamenta a prostituição.
Além de obrigar o pagamento por serviço de natureza sexual por parte do "contratante", a proposta de Gabeira suprime três artigos do Código Penal que tratam sobre o tráfico de pessoas.
De acordo com o projeto, deixa de ser crime: o ato de induzir alguém à prostituição, a promoção e o intermédio da entrada, no território nacional, de pessoas que venham a exercer a prostituição, ou a saída de pessoas para exercê-la fora do país. Além disso, o PL prevê ainda a exclusão do artigo que classifica como crime a manutenção de um prostíbulo.
Para Gabeira, apesar das controversas que o tema invoca, o projeto segue uma direção humanitária. Segundo ele, o primeiro passo nesse sentido é admitir que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento pelo trabalho.
A fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas, que conta com 30 associações em todo o país, Gabriela Leite, acredita que o projeto atende às reivindicações da categoria.
"Um dos pontos positivos, além dos direitos trabalhistas adquiridos, será a possibilidade de diminuir a exploração sexual infantil, porque poderemos denunciar essa prática da mesma forma que profissionais de outras atividades denunciam o emprego de mão-de-obra infantil no setor em que trabalham".
Segundo ela, por falta de segurança, muitas denúncias de exploração sexual infantil deixam de ser registradas. “Hoje não estamos protegidas por ninguém e, se denunciarmos, corremos o risco de amanhecermos em uma vala".
Na avaliação de Gabriela, a regulamentação dos prostíbulos também beneficiará os profissionais do sexo. "Atualmente, as prostitutas não têm direito a nada. Há casos, no interior do país, em que elas são acorrentadas e forçadas a trabalhar. Mas isso não pode ser considerado nem como trabalho escravo porque a prostituição não é regulamentada".
Parecer contrário
O relator do projeto na CCJ, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), é contra o mérito da proposta. Em seu relatório, ele questiona: “Seria compatível com o ordenamento jurídico brasileiro a tipificação de contrato relativo à prostituição?”.
Segundo ele, no âmbito do direito civil, "a previsão legal de um contrato cujo objeto seria o comércio do próprio corpo para fins libidinosos não estaria em sintonia com o sistema". Em seu relatório, o parlamentar também se diz contrário à retirada do Código Penal dos três artigos que tratam sobre o tema.
Para o antropólogo e cientista político Antonio Flavio Testa, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), a aprovação da regulamentação da prostituição deve ser barrada pelo conservadorismo dos parlamentares.
Resistência no Congresso
"O Congresso é moralista e hipócrita. Por exemplo, a política de planejamento familiar que prevê, entre outras coisas, a união civil de pessoas do mesmo sexo, há seis anos não vai para frente", considera.
Testa ressalta ainda que o reconhecimento da atividade irá trazer benefícios para os profissionais do sexo que, segundo ele, "têm uma carreira curta, assim como, os atletas e modelos que vivem do corpo".
Além disso, acrescentou, "a aprovação do projeto vai beneficiar principalmente aqueles profissionais que são mais pobres, pois terão direitos trabalhistas, previdenciários e a uma aposentadoria".
De acordo com o Ministério do Trabalho, atualmente, a atividade é reconhecida como autônoma. Para Testa, do ponto de vista social, a regulamentação também contribuiria para a diminuição do preconceito. "Mas isso viria com o tempo, com campanhas de longo prazo".
Igreja
Tida como um tabu em vários setores da sociedade, a legalização da prostituição também ganha espaço nos debates da igreja.
Para D. Antônio Augusto Dias Duarte, representante da Comissão Episcopal Pastoral da Família e Vida, da Confederação Brasileira de Bispos (CNBB), a legalização, dentro do contexto social, pode beneficiar aqueles que vivem do sexo.
"Há realidades sociais que devem ser muito bem consideradas porque envolvem pessoas que têm seus direitos universais como saúde, educação, trabalho, entre outros. A igreja apóia nesse sentido de resgatar os valores, onde mesmo uma prostituta tem o direito de dar educação para os seus filhos, de terem saneamento onde trabalham".
Apesar do apoio inicial, Duarte é enfático ao dizer que se a proposta também visa a favorecer a exploração, aí, a igreja é totalmente contra. “Ninguém pode ser mercantilizado", afirma.
Caso o PL seja aprovado pela CCJ, ele seguirá para o plenário. Para virar lei, o texto terá de ser aprovado também no Senado.
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