O depoimento do juiz João Carlos da Rocha Mattos menciona um dos capítulos mais controversos da sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002.
O juiz relata que ouviu do diretor geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda, um desabafo sobre as “angústias e dificuldades” no exercício do cargo por ter de seguir algumas orientações do governo do PT, com as quais não concordava. Nesse trecho, ele conta que Lacerda teria revelado que seria obrigado a demitir o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, por causa das ligações políticas do delegado com o ex-ministro da Saúde e ex-candidato à presidência da República, José Serra.
Nas palavras de Lacerda, segundo Rocha Mattos, Itagiba teria sido o “responsável pelo planejamento da diligência efetuada no Maranhão” contra a ex-candidata e hoje senadora Roseana Sarney.
O caso ficou conhecido como “Operação Lunus”, a famosa blitz que a Polícia Federal fez no escritório da empresa do mesmo nome, pertencente a Roseana Sarney e ao marido dela, Jorge Murad.
Oficialmente, os policiais buscavam documentos relativos a uma suposta fraude feita com verbas da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Em vez de papéis, porém, o que a polícia encontrou foi R$ 1,35 milhão em espécie. A foto dessa dinheirama espalhada sobre a mesa acabou com a candidatura de Roseana.
A então candidata, que explicou a origem do dinheiro como arrecadação de verba para campanha, acusou o governo federal de armação em favor do candidato tucano José Serra – o que também nunca foi provado.
O nome de Itagiba foi relacionado a Serra na ocasião e foi mencionado inclusive em jornais e revistas de circulação nacional.
Itagiba, quando Serra era ministro da Saúde, coordenou uma equipe instalada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para investigar laboratórios. Ele ocupava oficialmente a gerência de segurança, que só foi desmontada em dezembro de 2000, quando descobriu-se que uma rede de espionagem havia vasculhado a vida de funcionários do Ministério da Saúde.
Depois disso, já como superintendente da PF no Rio, afastou o delegado Deuler da Rocha, que investigava um dos ex-arrecadadores de campanha de José Serra, Ricardo Sérgio de Oliveira, acusado de cobrar propina durante a privatização das teles.
Rocha Mattos garante que ouviu a conversa sobre o suposto envolvimento de Itagiba durante visita que fez a Lacerda na Polícia Federal, depois que este havia assumido o cargo de diretor. “(…) O Dr. Paulo Lacerda queixou-se ao declarante (Rocha Mattos) das inúmeras dificuldades e angústias no exercício de tal cargo, o qual tinha recusado anteriormente (no governo Itamar Franco), inclusive pelas orientações que tinha de cumprir, como: demitir o Superintendente Regional do Rio de Janeiro, Dr. Marcelo Itagiba, por ordem da cúpula governamental, uma vez que o mesmo teria forte ligação com o então candidato à Presidência da República, José Serra e, além disso, havia sido um dos responsáveis pelo planejamento da diligência efetuada pela Polícia Federal contra a então governadora do Estado do Maranhão Roseana Sarney, então aspirante a candidata a Presidência da República pelo PFL”.
Durante a conversa, segundo Rocha Mattos, Lacerda disse que estava com dificuldades de operar a demissão, já que tinha confiança em Marcelo Itagiba e o considerava um dos poucos policiais “com postura, altivez e capacidade, além de honestidade comprovada para assumir a direção do DPF, inclusive por falar outros idiomas e ter excelente presença física e comunicação verbal”.
Itagiba, hoje, é subsecretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ou seja, o principal auxiliar de Anthony Garotinho.O delegado, por meio de uma assessora de nome Graziele, negou a ligação apontada por Rocha Mattos.
Em 29 de janeiro, um dia antes de Rocha Mattos prestar o depoimento em que menciona Itagiba, diversos delegados e políticos como o senador Romeu Tuma (PFL-SP), o advogado que o defendia, Alberto Zacharias Toron, abandonou a causa alegando motivos pessoais.
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