Edson Sardinha
Ele esteve por trás da prisão do homem acusado de chefiar o crime organizado em Mato Grosso, o “comendador” João Arcanjo Ribeiro, dono de uma fortuna avaliada em R$ 2,4 bilhões. Também teve participação decisiva na prisão do ex-deputado Hildebrando Pascoal, condenado a mais de 100 anos de prisão por envolvimento com o crime organizado no Acre, e do ex-senador Jader Barbalho (PMDB-PA), acusado de desviar recursos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Nos últimos 15 anos, o procurador da República Pedro Taques se notabilizou por levar adiante investigações contra figuras poderosas e nebulosas. Agora, aos 42 anos de idade, o cuiabano não quer trabalhar apenas para que as leis sejam cumpridas. Quer participar da elaboração delas. Eleito em outubro com 708 mil votos, o pedetista chega ao Senado com um discurso duro de combate à corrupção e à impunidade, a começar por aquela que beneficia políticos acusados de práticas criminosas.
“Quantos deputados e senadores foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos 22 anos? Apenas três. Isso mostra que há um longo caminho a ser percorrido. Defendo mudança na lei, mas precisamos também de educação”, critica o senador eleito. “Por mais que as leis sejam boas, se o cidadão não tem educação formal, ele não vai conseguir ter a consciência de que ele é mais importante do que o próprio Estado”, acrescenta.
Uma das mudanças na legislação defendida por Pedro Taques é o fim do chamado foro privilegiado, ou seja, a prerrogativa que parlamentares e outras autoridades federais, como o presidente da República e ministros de Estado, têm de serem julgados criminalmente apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ofensa ao princípio republicano
“O foro privilegiado é uma distorção que existe no Brasil. Em países considerados civilizados, isso não existe como aqui. No Brasil, até vereador tem foro privilegiado pelas Constituições do Piauí e do Rio de Janeiro. Isso é um absurdo. Temos muitas autoridades com foro privilegiado, isso ofende o princípio republicano”, afirma.
O senador eleito antecipa ao Congresso em Foco que vai propor aos demais colegas que o foro privilegiado seja uma prerrogativa apenas do presidente da República. As outras autoridades teriam de se ver com a Justiça como qualquer cidadão. “Para presidente da República, em determinadas situações, é admissível, porque ele é chefe de Estado.”
De acordo com levantamento feito por este site em junho, dobrou o número de processos contra parlamentares no STF desde o início da atual legislatura. Ao todo, 168 deputados e senadores respondiam, naquele momento, a 396 inquéritos e ações penais. Dos 320 congressistas que se reelegeram ou garantiram nas urnas o direito de trocar de casa legislativa, 76 são alvo de investigação na principal corte do país. Veja quem são os reeleitos processados.
Pedro Taques admite que sua eleição se deve, em grande parte, aos discursos de combate à impunidade e à corrupção. Mas diz não querer ser conhecido como um senador “monotemático”. O pedetista defende uma profunda reforma política, a modernização do Código de Processo Penal e a revisão das atribuições da União, dos estados e dos municípios.
Reforma política
“Existem alguns temas que são estruturantes e que merecerão maior reflexão na legislatura que se avizinha, como, por exemplo, a questão da reforma política. Dentro dela, a reforma eleitoral, o financiamento público de campanha, o voto distrital misto com lista unipessoal ou não. Precisamos discutir o novo papel do Legislativo. Nós temos no Brasil um presidencialismo quase imperial. O presidente manda, seja por meio do orçamento, seja pelas medidas provisórias. Mas a essência da democracia está no Parlamento”, defende.
O senador eleito defende uma reforma política que adote o chamado voto distrital – sistema pelo qual cada estado é dividido em número de distritos equivalente ao de cadeiras na Câmara – e instrumentos que permitam ao eleitor revogar o mandato do parlamentar que não estiver cumprindo os compromissos assumidos durante a campanha, uma espécie de “recall” de políticos. “O voto distrital aproxima o eleito do cidadão, faz com que a campanha seja mais barata, evitando a corrupção eleitoral”, avalia.
Pedro Taques diz que decidiu abrir mão de uma carreira segura no Ministério Público pela incerteza da candidatura ao Senado para tentar alterar aspectos da legislação que, muitas vezes, segundo ele, atrapalharam que suas investigações chegassem ao fim desejado. “Acredito que por meio de uma participação política no Legislativo eu possa contribuir com a criação de leis que possam fazer com que a sociedade seja mais justa. Isso pode ser uma utopia, mas acredito muito nisso”, diz.
Contra a impunidade
Além da atualização do Código de Processo Penal, o ex-procurador da República defende punições mais severas para determinados tipos de crime e uma solução intermediária no lugar da simples redução da maioridade penal – temas que esperam pelo pedetista no Senado.
“Sendo um pouco reducionista, podemos dizer que alguns crimes ocorrem por causas sociais. Nesses casos, você tem de combater com políticas públicas que dêem oportunidade ao cidadão. Outros crimes não ocorrem por causas sociais, precisam de penas que possam dar tranquilidade ao cidadão de que ele não será vítima novamente do criminoso. Aí, sim, defendo penas mais severas”, explica.
Pedro Taques vê com preocupação a possibilidade de se reduzir a maioridade penal de maneira indiscriminada. “Se nós reduzirmos a maioridade penal em todos os casos para 16 anos, você vai fazer com que só o filho do mais humilde, do negro e do pobre seja responsabilizado, como aconteceu nos Estados Unidos com os hispânicos e os afrodescendentes. Não pode reduzir em todos os casos”, observa.
Apesar disso, ele vê necessidade de garantir ao juiz a possibilidade de aplicar outras penas além das previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Defendo que, em determinados casos, o juiz possa, diante das circunstâncias, aplicar uma pena diferente daquilo que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, uma solução intermediária, para crimes contra a liberdade sexual, homicídio, tráfico de drogas. O caso concreto que irá definir isso”, propõe.
No Ministério Público Federal desde 1995, Pedro Taques avalia que o órgão tem cumprido as atribuições delegadas pela Constituição e promete se opor, no Legislativo, a toda e qualquer tentativa de cerceamento ao trabalho dos procuradores. “É preciso manter a independência do Ministério Público. Não podemos aceitar que tentem coibir a atuação dos procuradores nem que aprovem leis que tentem calar a boca do MP, como a chamada Lei da Mordaça”, diz o ex-procurador.
O pecador e o pecado
No Senado, Pedro Taques poderá ser colega de um político que ajudou a prender: o ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA). Barrado pela Lei da Ficha Limpa, Jader tenta a todo custo reverter sua situação, propondo nova eleição no Pará e outros artifícios. Jader foi preso em 2001, acusado de comandar um esquema bilionário de desvio de recursos da Sudam. “Não vejo nenhum constrangimento. Exerci meu papel constitucional como procurador, agora exercerei como senador. Não tenho nada pessoal contra ele. Não tenho nada contra o pecador, tenho contra o pecado”, sentencia.
Pedro Taques pediu exoneração do Ministério Público Federal em março deste ano para se filiar ao PDT e se candidatar ao Senado. Em sua primeira incursão eleitoral, desbancou políticos tradicionais do estado, como o deputado Carlos Abicalil (PT) e o ex-senador Antero Paes de Barros (PSDB), terceiro e quarto colocados na disputa a senador. Com 24,48% dos votos, conquistou a segunda vaga do estado, ficando atrás apenas do ex-governador Blairo Maggi (PP).
Sem o apoio de nenhum dos presidenciáveis, Pedro Taques reclama também que teve dificuldade para financiar a campanha. “Tive dificuldade para arrecadar e rejeição de parcela da classe política. Mas isso é coisa de menos importância. O mais importante é que a sociedade entendeu que nossa proposta era viável”, considera.
O “comendador” e a motosserra
Formado em Direito pela Universidade de Taubaté (SP), foi no estado onde nasceu que ele conduziu o caso de maior projeção de sua carreira. Em 2003, foi um dos responsáveis pelo desencadeamento da Operação Arca de Noé, da Polícia Federal, que resultou na prisão do “comendador” João Arcanjo Ribeiro, que comandava a máfia dos caça-níqueis e o crime organizado em Mato Grosso. O título havia sido dado ao ex-policial pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
A operação apreendeu 2.303 imóveis, fazendas, um shopping center, três hotéis no Brasil e um nos Estados, um avião avaliado em US$ 6 milhões, 30 veículos, 105 bens móveis, entre jóias e barras de ouro, além de ativos financeiros estimados em R$ 38 milhões que pertenciam ao acusado, dono de uma fortuna calculada em R$ 2,4 bilhões. Arcanjo, também acusado de assassinar um jornalista, foi preso no Uruguai e extraditado para o Brasil.
Em dezembro daquele ano, foi condenado a 37 anos de prisão por formação de organização criminosa, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Em 2007, foi transferido para a penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde cumpre pena. A transferência se deu após se descobrir que ele continuava comandando o jogo do bicho de dentro da Penitenciária Central de Cuiabá.
Em 2005, Pedro Taques participou como voluntário do júri que condenou o ex-deputado acreano Hildebrando Pascoal, acusado de comandar um grupo de extermínio no estado. Ele foi condenado a mais de 80 anos de prisão dois homicídios, tráfico de drogas e crimes eleitorais e financeiros. Em dezembro do ano passado, o ex-deputado recebeu nova condenação – 18 anos de prisão em regime fechado – por matar e cortar, com uma motosserra, um mecânico, que testemunharia contra ele. O crime ocorreu em 1996, dois anos antes de Hildebrando ser eleito deputado federal.
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