Fábio Góis
O Projeto de Reestruturação Administrativa do Senado não corrigirá algo que, no entender do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é uma distorçao de prerrogativas. De acordo com o texto encaminhado à Primeira Secretaria – na verdade uma contraproposta à sugestão de enxugamento de gastos feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) –, os policiais da Casa continuarão podendo, entre outras atribuições, acompanhar senadores em missão oficial no exterior ou em qualquer estado brasileiro, numa espécie de segurança particular para as excelências. O benefício inclui até servidores da Casa – basta que o presidente do Senado autorize formalmente.
Na verdade, essa prerrogativa já existe desde a criação da Polícia Legislativa do Senado, pelo projeto de resolução número 59, de 2002. Mas Suplicy esperava que isso fosse corrigido. Ele acredita que a tarefa de escoltar autoridades em missões no exterioré tarefa exclusiva da Polícia Federal. Para Suplicy, requisitar policiais legislativos para viagens ao exterior deveria se dar somente em casos de exceção. O petista disse que, em 18 anos como senador, nunca usou os serviços da segurança do Senado nesse período. “Essa função, se não for usada com discernimento, é inadequada”, opinou Suplicy.
Conheça a íntegra do “Projeto de Reestruturação Administrativa”
Leia a íntegra do relatório preliminar da FGV
Contradições
Os pontos que se referem à possibilidade de a Polícia Legislativa escoltar os parlamentares estão no artigo 228 da Subseção II (Da Secretaria-Geral de Administração) do projeto de reforma administrativa, que repete o que já determina o projeto de resolução de 2002. O item 1 diz que uma das “atividades típicas” do departamento de polícia será assegurar a “segurança do presidente do Senado Federal, em qualquer localidade do território nacional e no exterior”. E o item 3 estende o privilégio aos demais senadores: “Segurança dos senadores e de servidores em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal”.
Há um outro ponto polêmico na proposta, também repetição do que já existe no projeto de resolução. É o que determina que a polícia do Senado pode conduzir investigações contra os senadores, em auxílio à Corregedoria da Casa. “Não sou especialista no assunto, mas, ao conversar com meus assessores, já me considero convencido de que investigar parlamentares é também tarefa exclusiva da Polícia Federal”, diz Suplicy. Na verdade, trata-se de uma atividade conflitante, uma vez que a Corregedoria, entre outras tarefas, deve realizar investigações sobre deslizes praticados pelos senadores no exercício do mandato – enquanto à polícia cabe exatamente protegê-los.
O artigo 284 do capítulo 5 (Do Departamento de Polícia do Senado Federal) diz ainda que, “na hipótese de ocorrência de infração penal nas dependências sob a responsabilidade do Senado Federal, instaurar-se-á o competente inquérito policial presidido por servidor no exercício de atividade típica de polícia, bacharel em Direito”. O parágrafo 1º do projeto ressalta que, nessa função, “serão observados no inquérito policial o Código de Processo Penal [CPP] e os regulamentos policiais do Distrito Federal, no que lhe forem aplicáveis”. Mas o próprio CPP veta a hipótese.
“[Se o projeto for aprovado], a polícia do Senado vira polícia judiciária. E ela não tem autorização constitucional para isso”, disse um servidor de carreira ao site, apontando conflito legal. “O artigo 4º do Código de Processo Penal diz que só um delegado de polícia pode presidir um inquérito policial.” Além disso, lembra o regimentalista, o artigo 144 da Constituição define como exclusividade da Polícia Federal promover investigações policiais no Senado.
“Desde quando a polícia do Senado pode investigar senadores, se aí estão para garantir a segurança deles?“, questiona o servidor de carreira, com 30 anos de atividades no Senado. “Isso aqui virou uma ‘câmarazona’ de vereadores.”
Redefinição
A despeito da confusão sobre as atribuições da polícia legislativa, uma comissão técnica especial elaborou, por meio do Ato 25/09 da Primeira Secretaria, um relatório final sobre as sugestões feitas pela FGV para a reestruturação administrativa. Na página 54, item 8 (Sobre os órgãos da Casa e sua atuação), os técnicos chegam à conclusão de que “é recomendável que o Senado Federal redefina, com clareza, a missão institucional” de departamentos como o de polícia legislativa, a fim de que sejam adequados elementos como estrutura administrativa, destinação de recursos etc.
“Observa-se descompasso entre as demandas dirigidas a esses órgãos (ou a percepção interna que eles têm dessas demandas) e o provimento de meios necessários para que atendam à missão institucional. Cabe, principalmente, reflexão sobre o alinhamento das missões específicas desses órgãos com as funções constitucionais e primordiais do Senado”, diz trecho do relatório.
Encomendada em março à FGV, a pré-proposta de reforma foi submetida ao Conselho de Administração do Senado e, após diversas intervenções, foi encaminhada em 29 de outubro aos 81 senadores, que tiveram 15 dias para avaliar o material e apresentar sugestões. Depois desse prazo, tudo seria compilado, em dez dias, pela Primeira Secretaria, que deveria ter protocolado na Secretaria Geral da Mesa o material consolidado. O regimento atual determina que, em casos como esse, o documento seja convertido em projeto de resolução e fique por cinco dias à espera de emendas parlamentares.
Aviso aos leitores:
Inicialmente publicada nesta quinta-feira (17) às 6h20, esta matéria continha erros, ao afirmar que tais prerrogativas da Polícia do Senado seriam uma novidade contida no projeto de reforma administrativa em discussão. Na verdade, elas já existem desde 2002. Esta nova versão da matéria corrige esse ponto. Pedimos aos leitores desculpas pelo erro cometido.
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