Antônio Augusto de Queiroz *
A seguridade social, com orçamento próprio destinado às despesas com saúde, previdência e assistência social, foi uma conquista da Constituinte de 1987/88. Os sucessivos governos, de Sarney a Lula, têm desvirtuado o sentido dessa importante conquista dos pobres brasileiros.
Os presidentes da República do período pós-constituinte, em vez de consolidar e fortalecer o conceito de seguridade, inclusive com a criação de ministério específico, têm-se utilizado dele para ampliar receitas governamentais. Com isso, substitui-se a visão social pelo viés fiscal, com o objetivo de aumentar a arrecadação.
A lógica é simples. Antes, os governos criavam ou majoravam os tributos denominados "impostos", com todos os inconvenientes que isso representa, a começar pelo próprio nome. O desgaste era grande porque o imposto: a) só pode vigorar no ano seguinte à criação; b) a resistência no Congresso para sua aprovação era enorme; e c) ainda tinha que dividir o produto de sua arrecadação com os estados e municípios, por meio dos fundos de participação.
A partir de 1988, com a instituição da seguridade social, os governos passaram a criar ou majorar os tributos denominados "contribuições", cuja arrecadação seria destinada ao custeio da saúde, da previdência e da assistência social, e desviar parcela desses recursos para outras finalidades, burlando a intenção original dos constituintes.
As vantagens de criar ou majorar "contribuições" em lugar de "impostos" eram enormes porque elas: a) destinam-se supostamente a um fim nobre, com apelo social; b) não estão sujeitas ao princípio da anterioridade e podem ser cobradas no mesmo ano; e c) mais importante, o produto de sua arrecadação não é dividido com outros entes federativos.
Com essa artimanha, foram criadas ou majoradas diversas contribuições (Cofins, CSLL, CPMF etc), cujas receitas ultrapassam a arrecadação do Imposto de Renda, a ponto de gerar grandes superávits na seguridade. Em 2005, por exemplo, a receita da seguridade superou a despesa em mais de R$ 50 bilhões. Isso mesmo: depois de pagas todas as despesas com saúde, previdência e assistência social, sobraram mais de R$ 50 bilhões em 2005. E ainda falam em déficit da previdência.
Essa montanha de recursos, somada aos que resultaram da Desvinculação de Recursos da União (DRU), produz o chamado superávit primário, que corresponde ao dinheiro "economizado" pelo governo para o pagamento do serviço das dívidas interna e externa brasileira.
Não bastasse essa burla à vontade do contribuinte, o orçamento no Brasil é uma verdadeira peça de ficção. O Orçamento Geral da União se constitui de três partes: o orçamento fiscal, destinado às despesas de custeio; o orçamento da seguridade social, supostamente reservado ao custeio das despesas de saúde, previdência e assistência social; e o orçamento das estatais. Como nenhuma dessas partes é impositiva, o governo manipula os recursos conforme sua conveniência política, inclusive deslocando dinheiro da área social para a formação do superávit primário.
Chega de manipulação!
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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