Quer um conselho para votar bem no domingo (31)? Esqueça tudo o que viu e ouviu nos programas de rádio e TV das campanhas de Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB, neste segundo turno. A opção declarada dos marqueteiros para o que eles chamam de “agenda negativa” (que consiste em focar na desqualificação do adversário e não na apresentação de suas próprias propostas) transformou o segundo turno num debate de questões falsas. Nenhum dos temas que a campanha focou nesta segunda volta da corrida presidencial é realmente sincero e ajuda de fato a conhecer as diferenças entre os dois candidatos. Então, esqueça-os. Senão, vejamos:
Descriminalização do aborto – Em primeiro lugar, essa não é uma discussão na qual o presidente da República possa ter um papel determinante. Se houver alguma alteração a respeito, ela necessariamente virá do Congresso. Nenhum governo cogita enviar projeto sobre um tema no qual a sociedade é dividida. E seria mesmo um absurdo se o fizesse. Ao próximo governante, cabe cumprir o que a lei determina. E a lei determina atendimento na rede pública quando há risco para a mulher, em caso de estupro e em caso de má formação incompatível com a vida do bebê. E é assim desde a década de 40.
Quando ministro da Saúde, José Serra fez uma norma dizendo como o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria proceder. Que é seguida pelo ministro José Gomes Temporão, que defende que o aborto deve ser tratado como caso de saúde pública. Posição que ao longo da vida Dilma também defendeu. O tema só entrou no debate porque a turma de Serra percebeu que havia uma parcela conservadora da sociedade indecisa que poderia ser conquistada. E inventou a falsa polêmica. E Dilma aceitou-a sem pestanejar, engavetando a ex-guerrilheira e encarnando uma beata fervorosa em favor da vida.
Privatizações – Passei o segundo turno até agora esperando que Serra perguntasse o seguinte para Dilma em algum debate: “Ok, minha senhora. Se a senhora é contra as privatizações e eu sou a favor, então me diga: que setores e empresas a senhora vai reestatizar em seu governo?”. A resposta a essa pergunta nós sabemos: “Nenhuma”. Um dos pontos vitais que fizeram Lula escrever em 2002 a “Carta aos Brasileiros” foi garantir ao mercado que nada mudaria nos setores fundamentais que foram privatizados no governo Fernando Henrique Cardoso. Uma situação que faz com que hoje, por exemplo, a Telefônica de Espanha venda mais telefones em São Paulo do que na Espanha. Em conversas recentes com os embaixadores de Espanha e de Portugal, perguntei a ambos se os governos de seus países tinham alguma torcida especial nas eleições brasileiras. Descontados os cuidados diplomáticos, ambos disseram que não. Porque ambos têm certeza, foi o que disseram, que o Brasil como país hoje tem um grau de amadurecimento e um número de compromissos internacionais que o impede de romper contratos e organizar recuos econômicos.
Da mesma forma, ninguém vai privatizar a Petrobras. Ela, em seu formato atual, é uma das maiores empresas de petróleo do mundo e é estratégica para qualquer governo, que não irá abrir mão de ter poder sobre uma empresa dessas. Quanto à exploração do pré-sal, o modelo está sendo votado no Congresso, onde os partidos que hoje estão na base do governo Lula têm e continuarão tendo ampla maioria.
O dossiê da quebra de sigilo – Aqui, é o sujo falando da mal lavada. A história começa no bojo de uma disputa interna no PSDB para a escolha do candidato à Presidência da República entre José Serra e Aécio Neves. E termina no bojo de uma disputa interna no PT pelo comando da comunicação da campanha de Dilma Rousseff. As informações sobre as declarações de imposto de renda da filha de Serra e de outros tucanos foram obtidas no contexto da disputa tucana. Mas fica depois evidente o envolvimento do jornalista Amaury Ribeiro Júnior com o comando da pré-campanha petista. Primeiro, ele pessoalmente negociou com arapongas para contratá-los para a campanha de Dilma. Ficou hospedado num flat usado pelos petistas. E, ali, segundo ele conta em seu depoimento, os dados sobre os tucanos foram surrupiados de seu computador, por algum petista. Se os dados foram repassados por Amaury ou surrupiados, o fato é que eles passaram a ser do conhecimento de pessoas do staff de Dilma. Isso é algo que Amaury não nega. Ou seja: a história sobre o dossiê circulou nas duas campanhas.
Bolinha de papel ou fita crepe? – Aí, a campanha de fato chegou ao auge da falta de conexão com os problemas do país. Se José Serra tivesse mantido a sobriedade, talvez lucrasse com o fato de sua caminhada ter sido de fato interrompida por petistas dispostos a fazer confusão. Mas ele resolveu inventar um quase estado de coma. Se ele foi agredido com um rolo de fita crepe além da bolinha, isso é algo suficiente para tê-lo deixado tonto, para obrigá-lo a fazer tomografia? Se foi só a bolinha de papel, justifica os petistas terem se organizado para atrapalhar da forma que fizeram a caminhada de Serra? Finalmente, tem sentido que esse tenha sido o tema principal dos últimos programas de ambos os candidatos na TV?
Enfim, no domingo, convém buscar em outros lugares os argumentos para escolher entre Dima e Serra. Pelo nível do debate na campanha do segundo turno, talvez seja o caso de levar Tiririca mais a sério e torcer para que ele tenha mesmo razão, ao dizer que “pior do que tá, não fica”.
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