Márcia Denser
Novamente veio e passou o aniversário de Sampa no dia 25 de janeiro. Ando meio que de mal com esta cidade, mas obrigada a pensar no caso em razão de entrevista que dei ao Estadão (de 21/01/2007), acabei fazendo algumas reflexões que aqui reproduzo, até porque o acesso on-line a este material é restrito a assinantes:
Por quais motivos escolheu São Paulo para viver?
Após quatro gerações creio que não tive escolha senão me incorporar à cidade, porque São Paulo é parte da minha identidade, meu território sentimental, minha memória, biografia e obra em construção.
Sou paulistana de quatro gerações. Meu tataravô, Norbert Denser, foi um berlinense que, em torno de 1850 e por razões desconhecidas, deixou a Alemanha sozinho num cargueiro dinamarquês com alguns livros, a caixa de ferramentas e uma capa de oleado.
Um mês depois aportaria em Santos. Por isso, em 24 de agosto de 1865, de acordo com os registros do Departamento de Patrimônio Histórico do município, data em que assentou sua banca de ferreiro na Rua de Santo Amaro, possivelmente já estivesse casado com uma das Borba, filha ou neta do bandeirante Borba Gato, aquele da estátua.
Somos gente de Vila Mariana, mas atualmente moro na Aclimação.
Como São Paulo te inspira?
Sou escritora e a cidade é meu campo de ação, meu altar de sacrifícios, minha entidade mais secreta. E também a mais pública. Desde tempos imemoriais, a cidade é um símbolo feminino, é mulher, então compreende-se porque as estátuas de deusas-mãe, como a Diana de Éfeso, ostentam coroas em formas de muros. Assim, minha personagem Diana Marini é uma representação de São Paulo. Na novela Welcome to Diana, ela dá boas vindas ao leitor (em inglês, posto ser cosmopolita), seu lema é seduzi-lo – para melhor devorá-lo! Meu último romance Caim é uma história de São Paulo, é a saga de uma família diaspórica e a crônica de uma cicatriz.
Quais são os pontos mais marcantes de São Paulo para você?
Todos e nenhum. São Paulo é mais um estado de espírito, paradoxalmente marcado pela eterna mutação. Quando eu morava nos Jardins (Melo Alves com Oscar Freire, e morei 12 anos nos Jardins, nas décadas de 80 e 90), as lojas do quarteirão se transformavam em outras constantemente. Era butique de sapato que virava boate que virava estacionamento que virava antiquário. A princípio de ano a ano, depois a cada seis meses e então mês a mês. São Paulo é paisagem urbana em processo, de imperdível apenas ela própria e seu estilo mutante.
Para você, quais são as belezas escondidas na cidade?
Como toda mulher, esta cidade não se entrega sem mais aquela, a exemplo das suas rivais marítimas, Rio e Salvador, expostas à orla, à fuga por mar, porque São Paulo tem seu centro, seu cordão umbilical na Praça da Sé, no centro da voragem urbana, um desenredar de ruas que é puro caos ao estrangeiro. É verdade que a partir da década de 60 este centro se deslocou do Marco Zero para a Avenida Paulista, mais isso é geografia. Porque o fato do centro da voragem continuar lá, na Praça da Sé, neste ponto inconsciente e arbitrário e talvez por isso preservando-se mais oculto e misterioso, está a chave do seu enigma.
O que gostaria de mudar na cidade?
O maldito neoconservadorismo que tomou conta dessa maldita cidade. Onde quer que você vá tem sempre um gorila, um MIB, te mandando jogar o cigarro fora. E os bares fecham com as galinhas. Espaços públicos que se privatizam sem direito e vice-versa. Espaços privados que se publicam e multiplicam dum modo abominável! Safa!
Qual é a cara de São Paulo para você?
Esta cidade não tem uma identidade muito marcada porque não se adapta ao clichê. Porque São Paulo tem de tudo, menos provincianismo. É a cidade mais cosmopolita do planeta. Ela parece não guardar nenhuma saudade ou orgulho por seu passado e tradições que já não tenham sido violados e dilacerados pelas hordas imigratórias, pela especulação imobiliária e financeira, por simples vandalismo, e então para que se preocupar? São Paulo-Babilônia é simultaneamente virgem e prostituta.
Que programas gosta de fazer na cidade?
Muitos, mas não digo quais, não embarco no merchandising. São Paulo não é para amadores.
Deixe um comentário