Douglas Mondo*
Antes da formação da sociedade, os homens viviam em constante guerra uns contra os outros, fruto do próprio estado da natureza humana, em que a solidão era o calabouço da alma. Os indivíduos não tinham ligações uns com os outros, vivendo cada qual fechado em sua esfera de interesses, que se resumia na própria sobrevivência e em choque com seus semelhantes.
Segundo Aristóteles, quando os homens passaram a agrupar-se socialmente e de forma organizada, e não mais em meros bandos, objetivaram buscar um bem que os satisfizesse em suas necessidades básicas.
Nesse momento, quando o conhecimento individual passa a ser compartilhado com outros em prol do grupo social organizado, temos que o resultado tornou-se mais eficaz na distribuição de atendimento às necessidades básicas desse mesmo grupo.
Assim, surge o contrato político entre os homens, com a normatização das atividades do grupo social, seu reconhecimento e a escolha do líder, que determinará o cumprimento do estabelecido. Todos unidos numa só manifestação de vontade com normas próprias de funcionamento e comportamento social dão surgimento ao Estado, do latim civitas, com tamanho poder e força que a todos conforta na sensação de referência e integração.
O poder político exercido no Estado, seja absolutista ou democrático representativo, não mais hoje tem razão de ser, já que mesmo na democracia exercida pelo voto e esgotando em si só, o político sempre vai manter a forma de atuação de maneira a conservar o status quo vigente.
O poder político absolutista nem será considerado, visto que ilegítimo em sua própria essência.
Na democracia meramente representativa, presidencialista ou mesmo parlamentarista, os interesses da maioria raramente são alcançados em sua plenitude, pois as leis e as normas emanadas do poder político jamais atenderão às necessidades dinâmicas da sociedade.
Comprova-se tal raciocínio pela simples constatação de que o Estado democrático somente pode agir mediante lei, uma vez que esta é elaborada por políticos profissionais que deixam de atender às necessidades básicas da sociedade pela falta de obrigatoriedade de cumprimento das cláusulas do mandato outorgado pelo voto.
A penalidade pelo não-cumprimento do anteriormente acordado com seus eleitores ou programas partidários, quer seja excluindo-o do partido ou mesmo de seu mandato, ou a ausência de sufrágio no próximo pleito, mostram-se insuficientes para que o modelo ora citado funcione a contento.
Quando se transfere o conhecimento de um indivíduo para outro para que este último atenda suas
necessidades básicas ou do grupo social a que pertença, qual a garantia que o atendimento será de acordo com o anteriormente pactuado? Nada garante que o resultado seja o combinado, conforme se verifica nas democracias meramente representativas.
Nessa forma de governo, com o exercício máximo da cidadania, qual seja o voto, o escolhido raramente atende aos anseios do grupo social que o elegeu, mas sim interesses diversos e muitas vezes sectários e distantes do objetivo de atendimento da satisfação do bem comum.
Democracia significa "governo do povo". Não é uma palavra abstrata, mas sim um valor fundamental da vida de um país na relação representativa e fundamentalmente participativa da cidadania com o governo, em todos os assuntos de interesse coletivo.
Não é possível o desenvolvimento de um país na distribuição justa de suas riquezas com um desenvolvimento racional e moderno sem a participação popular, fundamental nos interesses da nação, já que esta não se esgota simplesmente mediante o sufrágio universal.
O interesse e a participação devem-se dar por meio dos partidos políticos, das comunidades de bairro, dos conselhos comunitários, das pastorais de fé, dos sindicatos etc., de maneira tal que haja a efetiva intervenção da sociedade nos assuntos de governo, de forma que determine o real rumo do desenvolvimento do país.
Dessa maneira o cidadão deixa de ser mero espectador da vida para influir decisivamente nos destinos de sua comunidade, de seu município, de seu estado e de seu país. Não esgota sua participação democrática com o voto, mas sim como elo de uma corrente de vontades que prenda o governo à execução das diretrizes determinadas por essas mesmas vontades, junto aos três poderes.
É necessário que esse moderno modelo democrático de participação popular se desenvolva, para que os recursos provenientes da arrecadação tributária por parte do Estado sejam efetivamente destinados à satisfação das necessidades do povo.
A burocracia do Estado não deve jamais se sobrepor às necessidades do povo, o que se controla somente com o desenvolvimento de uma democracia participativa e não meramente representativa, já que esta última se mostrou inegavelmente superada na distribuição do bem comum.
Como modelo exemplificativo, podemos citar a complementação administrativa de uma prefeitura municipal em seus segmentos de secretarias executivas com conselhos comunitários formados por segmentos representativos e participativos da população afetos àquela área ou pasta, que determinam suas prioridades e fatias reais do orçamento municipal para atendimento das necessidades por ele detectadas. Essa participação popular não seria remunerada para não se desenvolver sua mercantilização.
O prefeito municipal teria somente a participação política para representação da cidade e para dirimir os conflitos de interesses na distribuição das fatias do orçamento para as secretarias com os conselhos comunitários.
Haveria a prestação de contas ao fim de cada exercício anual à prefeitura municipal por parte das secretarias com os conselhos comunitários e também à câmara municipal e, em caso de não-aprovação das contas, o envio ao Ministério Público para as denúncias de responsabilidade, tudo com o acompanhamento do Tribunal de Contas.
A própria Constituição do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, já demonstra um avanço nesse sentido, estabelecendo algumas modalidades de participação da sociedade nos destinos do país, tais como: propor projetos de lei; plebiscitos; referendo; formação de associações com fins lícitos; liberdade profissional e sindical, inclusive aos funcionários públicos; participação dos trabalhadores nos lucros e gestão das empresas; mandados de segurança coletivo etc.
É necessário que o pensamento ideológico da participação popular nos destinos do país seja amplamente difundido e estimulado, para que a luta por justiça social seja sustentada na plena liberdade de poder que tem o povo hoje na utilização de todos os mecanismos lícitos e amparados constitucionalmente para o alcance desse fim.
Somente com a participação popular, lícita e justa, haverá a quebra das amarras da escravidão burocrática do povo da tutela econômica e autoritária do Estado, estabelecendo uma nova ordem de distribuição da riqueza arrecadada por meio dos impostos em benefício real do bem comum e da justiça social.
Sem a participação popular, o Estado tende a ter uma forma de governo autoritária ou paternalista, que, de uma forma ou outra, apenas isola o cidadão de seu desenvolvimento individual e coletivo, já que apresenta fórmulas próprias de inter-relacionamento social e político.
O homem deixa de ser mero espectador da história quando se organiza e passa a ter uma maior participação nos destinos de sua cidade, já que ela é um ente concreto, diferente do Estado, que é ente político abstrato, tendendo a se aproximar mais da figura teológica do criador.
É o homem determinando seu destino, o verdadeiro sentido da criação, sempre em busca de uma identidade que o integre cada vez mais com o planeta em que vive, deixando de ser um objeto inanimado ou coisa manipulável, mas sim elemento fundamental da vida, nascendo em decorrência uma nova sociedade, mais justa e em favor dos interesses de todos.
* Douglas Mondo é advogado, escritor e Presidente da TV Japi Mais, em Jundiaí (SP).
Deixe um comentário