Mário Coelho
Os dois primeiros meses da legislatura atual na Câmara têm sido marcados por confusões e polêmicas. Os parlamentares questionados por condutas consideradas imorais e até racistas e homofóbicas e o imbróglio envolvendo a posse de suplentes aumentam o foco da sociedade sobre a atuação e comportamento dos deputados. Votações de projetos da sociedade no plenário e nas comissões acabam ficando em segundo plano.
Todos esses casos polêmicos têm em comum um fato: a necessidade de passar pela Corregedoria da Câmara. Com um movimento incomum para o início de legislatura, pousam nas mesas do corregedor seis representações contra o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) por racismo e homofobia, duas contra Jaqueline Roriz (PMN-DF), acusada de uso irregular da verba indenizatória e de caixa 2 nas eleições de 2006, e quatro casos envolvendo a posse de suplentes de partido na Casa.
A primeira polêmica da legislatura começou antes mesmo dos deputados tomarem posse. Em dezembro do ano passado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram que a Câmara empossasse o primeiro suplente do partido, e não da coligação, no lugar do ex-deputado Natan Donadon (PMDB-RO), que havia renunciado ao mandato. Eles entenderam que os efeitos das alianças partidárias se encerram após as eleições.
Até ontem (31), o Supremo tinha analisado sete mandados de segurança de suplentes de partido exigindo a posse. A Câmara mantém a postura de empossar os substitutos da coligação, conforme a lista encaminhada pelos tribunais regionais eleitorais. Isso já provocou a entrada de reclamações no STF contra o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS) e até uma reprimenda pública por parte do ministro do STF Marco Aurélio Mello.
?É realmente um início de legislatura com muitos transtornos?, analisou o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. Ele considera que as ?confusões causadas pelo Judiciário? são piores do que os escândalos envolvendo parlamentares. Os processos contra Bolsonaro e Jaqueline são mais normais na rotina do Congresso, considera o analista. De fato, a declaração se sustenta pelos números.
Dos 113 processos analisados pelo Conselho de Ética da Câmara de 2004 a 2010, apenas 17 saíram do colegiado rumo ao plenário com parecer pela cassação do acusado de quebra de decoro. Quatro deles resultaram em cassação. São os 513 deputados os responsáveis por dar a última palavra sobre a postura dos colegas. Os dois órgãos, Corregedoria e Conselho, não têm poder de punir diretamente a conduta dos deputados. Eles fazem recomendações que devem ser respaldadas, respectivamente, pela Mesa Diretora e pelo plenário.
Para Fleischer, a Câmara tem ?tentado resistir? às decisões recentes do Judiciário. Os cinco suplentes até agora não tomaram posse por conta de um rito definido no ano passado pela Mesa Diretora. A partir da notificação da ordem judicial, as partes são notificadas. Abre-se prazo para defesa dos deputados suplentes que já estão no cargo. Depois disso, o corregedor da Casa, Eduardo da Fonte (PP-PE), elabora um relatório e o coloca em votação na Mesa.
Ficha Limpa
Corregedor da Câmara há dois meses (foi eleito em fevereiro, no início da legislatura), Eduardo da Fonte espanta-se com o volume de demandas a que vem tendo de responder. ?Realmente não existe um histórico como esse início de legislatura?, disse o corregedor. E ele já espera uma nova enxurrada de confusão. Com a derrubada da Lei da Ficha Limpa pelo STF para as eleições de 2010, votos serão recontados e novos deputados devem entrar. O presidente da Câmara estima que cinco novos parlamentares tomarão posse. No entanto, com a validação de votos de candidatos não eleitos, a relação dos suplentes também pode ser modificada.
A Câmara ainda não decidiu qual rito vai adotar no caso. Já é certo que os deputados Janete Capiberibe (PSB-AP) e João Pizzolatti (PP-SC) voltarão à Câmara. Devem sair Professora Marcivânia (PT-AP) e Odacir Zonta (PP-SC). No entanto, outras mudanças podem ocorrer. Normalmente, cada processo de saída e entrada de deputados implica intauração de um prazo de defesa para aquele que vai sair e um parecer do corregedor. Segundo Eduardo da Fonte, a Mesa Diretora ainda vai definir se, nesses casos, o procedimento será também assim. A definição, porém, só deve ocorrer após a chegada na Casa das primeiras ordens pela posse dos parlamentares.
?Cada deputado antes barrado pela ficha limpa vai ter seus votos validados e computados. Isso vai alterar os eleitos?, disse Fleischer, ressaltando que o ?tumulto é muito grande?. Para o cientista político, o Supremo não avaliou muito bem as consequências das últimas decisões que tomou de caráter eleitoral. No outubro passado, por meio de um critério de desempate, os ministros decidiram que a Lei da Ficha Limpa poderia ser aplicada nas eleições de 2010. A posição foi revertida na semana passada.
Para descascar os pepinos que caíram na sua mão, o corregedor ressalta que tem ?seguido rigorosamente? o regimento interno da Câmara. Para ele, a Corregedoria ?não tem partido, não tem inimigos?. ?Estamos buscando fazer tudo com a maior transparência?, afirmou. No caso dos suplentes, a expectativa é que, na próxima reunião da Mesa, na terça-feira (5), ocorra uma definição sobre quem deverá tomar posse, o mais votado do partido ou da coligação. Por um pedido de vista, a decisão foi adiada na última reunião.
Eduardo, porém, acrescenta que o próprio Supremo tem contribuído para aumentar o grau de confusão. Ao julgar liminares de suplentes que querem entrar na Câmara, os ministros têm seguido posições diferentes. Enquanto alguns seguem a tese de que devem tomar posse os mais votados do partido, como na decisão tomada no ano passado no caso de Natan Donadon, outros têm seguido a posição da Câmara de manter a posse dos mais votados na coligação. Essa indefinição do STF, ressalta o corregedor, contribui para criar um clima de insegurança jurídica. Apesar de ter uma decisão em plenário, dois integrantes da mais alta corte do país já se posicionaram da maneira contrária. Ontem (31), foi a vez de Celso de Mello negar uma liminar pedida por um suplente de partido. A novidade na questão foi o voto do decano do STF. Até então, ele não tinha se manifestado sobre o assunto.
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