Renata Camargo
Uma resistência silenciosa, porém forte, que se estabeleceu na Câmara pode barrar a votação do projeto ficha limpa prevista para ocorrer nesta quarta-feira (7) no plenário da Câmara. Numa articulação discreta – cujos posicionamentos públicos não são revelados –, alguns deputados vão forçar o adiamento da votação da proposta que torna inelegíveis candidatos com condenações na Justiça.
A estratégia principal será remeter o projeto para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e deixar a proposta cair no esquecimento público. De acordo com o secretário-geral da Mesa, Mozart Viana, o projeto só será apreciado hoje se a ele for dado o regime de urgência urgentíssima. Para isso, é preciso que a maioria dos líderes apresente um requerimento nesse sentido e que esse documento seja aprovado pela maioria absoluta em plenário, ou seja, no mínimo, 257 deputados.
Mozart explica que o projeto ficha limpa (PL 158/2009) foi apensado ao Projeto de Lei Complementar 168/1993, na intenção de acelerar a tramitação. Dessa forma, o substitutivo elaborado em consenso entre os partidos no grupo de trabalho e apresentado pelo relator, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), será apresentado como emenda ao PLC, que tramita em regime de prioridade.
“A única possibilidade de votar nesta quarta seria aprovar uma urgência urgentíssima, que terá que ter requerimento apresentado por líderes que representem, pelo menos, 257 deputados, e depois ser aprovado pela maioria absoluta. O mais provável é que não vá haver essa urgência e que o projeto vai retornar à Comissão de Constituição e Justiça. Só depois do parecer dessa comissão é que o projeto pode voltar ao plenário”, disse Mozart.
A votação do projeto ficha limpa para hoje foi anunciada há semanas pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Segundo sua assessoria, Temer tentou negociar com os líderes a aprovação de um requerimento de urgência urgentíssima, mas houve resistências. Mesmo com as reações contrárias, no entanto, Temer pretende colocar hoje a proposta em votação. A ideia é sentir o ambiente para saber se o projeto vai ter chances de ser aprovado.
Obstáculos
Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), os contrários à matéria podem ainda usar os artifícios de esvaziar o plenário ou de apresentar emendas que desconfigurem o texto aprovado no grupo de trabalho. Ainda que esteja otimista em torno da votação, o parlamentar afirma que os resistentes vão tentar todas as manobras regimentais possíveis para protelar a votação.
“Para quem não gosta do projeto, os mecanismos de protelação estão na mão. Não será fácil passar o regime de urgência. Mas esse projeto tem um valor extraordinário e foi lapidado para ser aprovado pelo plenário. Qualquer emenda que retire critérios de inelegibilidade será para tornar o projeto inócuo e isso agredirá a vontade da sociedade”, disse Chico.
O coordenador do grupo de trabalho, deputado Miguel Martini (PHS-MG), acredita que os apoios partidários já apresentados serão suficientes para entrar com pedido de urgência. Martini afirma que os favoráveis ao projeto ficha limpa já têm o apoio do PSOL, PHS, PSDB, DEM, PCdoB e PV. Segundo Martini, o PT, PP e PTB ainda estão com resistências.
“Os que não querem votar vão tentar empurrar com a barriga. Mas vai haver pressão e o desgaste para quem ficar contra é muito grande. Em Belo Horizonte, por exemplo, vai ter placar na Praça Sete de Setembro mostrando as votações”, disse Martini.
Pressão
Na avaliação do coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Marlon Reis, o adiamento do projeto, perto do processo eleitoral, é o mesmo que rejeitar a matéria. Marlon afirma que “a expectativa não é apenas a aprovação do projeto, mas a aprovação já”. “A gente teve a oportunidade de dialogar com todos os partidos e foi construído um texto de consenso. Todos os partidos participaram do GT. Protelar a votação, nesse contexto, significa rejeitar”, afirma.
O relator Índio da Costa acredita que a votação vai depender de mobilização social. Ele avalia que, como Temer quer votar o projeto, deve haver uma pressão do presidente sobre os líderes para aprovar o regime de urgência, mas que a sociedade também deve pressionar a Câmara para votar essa urgência.
“Tem que brigar primeiro pelo regime de urgência e depois ir a voto. O voto é aberto. A sociedade vai ver quem é contra ou a favor. A votação de hoje vai depender de pressão popular”, disse Índio.
Para o membro do MCCE Chico Whitaker e um dos mobilizadores da primeira lei de iniciativa popular – a Lei 9840/1999, que combate a compra de votos –, não será possível uma mobilização em massa pela aprovação da ficha limpa. O ativista afirma que é difícil mobilizar a sociedade para pressionar por mudanças estruturais no Legislativo e que, diferente da Lei 9840/1999, projeto ficha limpa pune diretamente os parlamentares.
“A gente levou um ano e meio para conseguir um milhão de assinaturas. Uma mobilização como essa não é a mesma que reivindicações pessoais, de grupos, como aposentadoria e salários. Os deputados vão ter que contar com eles mesmos. Interesse para o Congresso votar o ficha limpa por causa da sua imagem, mas esse projeto interfere diretamente na vida de alguns parlamentares”, concluiu.
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