Lúcio Lambranho
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) começou a julgar ontem um processo de auditoria e analisar uma inspeção da Corregedoria Nacional do órgão que confirmam uma série de denúncias contra integrantes do Ministério Público do Piauí feitas pelo Congresso em Foco ainda em outubro de 2008.
São ao todo 35 irregularidades, como atos de improbidade administrativa, fraudes em licitações, pagamentos indevidos para procuradores e promotores. Além disso, a inspeção revela a completa falta de estrutura do Ministério Público do Piauí, o estado com terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Há promotorias onde não há computadores para os promotores.
Em alguns lugares, os auditores chegaram a não encontrar as unidades do órgão nos endereços indicados pela Procuradoria Geral de Justiça do Piauí. E também encontraram integrantes do MP local morando em outros estados. Foi encontrado um caso de um promotor que vive em Santa Catarina e outro no Ceará.
À falta de estrutura, soma-se o desvio e a mordomia. Procuradores e promotores recebem salários acima do teto constitucional. Têm desconto do imposto de renda abaixo do que deveriam descontar.
Como já revelava o Congresso em Foco em 2008, o procurador-geral do MP-PI, Augusto Cézar Andrade, recebeu em pelo menos um mês do ano passado mais de R$ 61 mil em salário. A inspeção comandada pelo corregedor do CNMP, Sandro Neis, mostra que outros dezoito procuradores também ganharam acima do teto a partir de 2006, e que a situação só foi regularizada em abril deste ano um pouco antes da devassa nas contas do MP-PI.
O processo relatado pelo conselheiro Almino Afonso encontrou uma situação ainda mais grave e demonstra que os dados da folha de pagamentos foram manipulados para tentar confundir a auditoria. Segundo o relatório de Afonso, foram encontradas diferenças na folha de pagamentos de 649 servidores e integrantes do MP do Piauí. Há valores diferentes entregues para o CNMP, entre os dados encontrados na departamento pessoal do MP-PI e outros valores repassados aos bancos. E um gasto de R$ 445 mil em repasses para 107 pessoas que não tinham nenhum vínculo com o MP-PI.
“É inicialmente pesaroso concluir que gestores do Ministério Público do Piauí o fizeram trilhar caminhos escusos, desgarrando-se de sua destinação constitucional e, o que é pior, perpetrando, ao menos numa avaliação perfunctória, ilícitos que tinham por missão combater”, resume o relator do caso no CNMP.
Veja aqui o relatório do conselheiro Almino Afonso
Estágios
Outras irregularidades graves foram confirmadas na análise da folha de pagamentos na inspeção de Sandro Neis. Elas apontam que alguns estagiários chegaram a receber valores que equivaleriam a um salário perto de R$ 6 mil por mês:
“A inspeção identificou, no ano de 2005, o pagamento de Jetons a procuradores de Justiça para participarem de reuniões do Conselho Superior, e diferenças referentes à participação em reuniões do Colégio de Procuradores, os quais totalizaram R$ 323.720,00, não sendo apresentado procedimento administrativo e a respectiva base legal.
Pagamento de verba denominada Vantagem Pessoal, somente para procuradores de Justiça, nos exercícios financeiros de 2005 a 2008, sem indicação de base legal, no valor de R$ 1.527.105,00.
Identificou-se pagamento a título de Abono Provisório, nos anos de 2005 e 2006, no valor total de R$ 236.364,37, não tendo sido apresentado qualquer processo administrativo que o autorizasse ou a indicação de qualquer base legal que permitisse a sua efetivação.
Também observou-se pagamentos indevidos realizados em favor de estagiários, alguns bem superiores ao limite fixado por lei. Não existe nenhum processo formal de seleção, com publicação de edital. Não foram identificadas fichas de avaliações de desempenho dos estagiários.
IV – que a estagiária M.F.M.G.L. (matrícula n. 13.361) recebeu, a título de gratificação DAS, no ano de 2005, R$ 6.600,00. Em 2006, R$ 6.600,00. E, em janeiro de 2007, R$ 550,00.
IV – que o estagiário R.S. (matrícula n. 13.449) recebeu, a título de gratificação DAS, no ano de 2005, R$ R$ 6.600,00. No ano de 2006, R$ 6.600,00. No ano de 2007, R$ 6.600,00. E, no ano de 2008, R$ 6.600,00.
V – que o estagiário M.C.P.S. (matrícula n. 16.924) recebeu, a título de gratificação DAS, no ano de 2008, R$ 26.000,00, Gratificação de Desempenho no valor de R$ 36.000,00, antecipação de 13º Salário no valor de R$ 6.200,00 e Abono de Férias no valor de R$ 2.066,66, totalizando R$ 70.266,66. Importante consignar que este estagiário foi desligado no mês de outubro de 2008.
VI – que a estagiária S.M.G.B.A. (matrícula n. 16.920) recebeu, a título de gratificação DAS, no ano de 2008, o valor de R$ 26.000,00, Gratificação de Desempenho no valor de R$ 36.000,00, Antecipação de 13º salário no valor de R$ 6.200,00 e Abono de Férias no valor de R$ 2.066,66, totalizando R$ 70.266,66. Importante consignar que esta estagiária foi desligada no mês de outubro de 2008.”
Durante a sessão de ontem, os conselheiros discutiram as alegações do MP-PI pela nulidade do processo, uma vez que as provas que originaram o procedimento – contra-cheques de procuradores – teriam sido obtidas de forma ilícita. Afonso considerou que as provas realmente não podem ser consideradas no processo. Ocorre, porém, que após a denúncia, houve a auditoria. E a inspeção feita levantou provas “suficientes para propiciar o julgamento do processo”.
Porém, o conselheiro Mário Bonsaglia pediu vista do processo e o caso voltará a ser discutido no plenário do CNMP a partir de janeiro. Já a inspeção do corregedor Sandro Neis determinou uma série de medidas e sindicâncias para apurar as irregularidades. O Congresso em Foco entrou em contato com o MP-PI, mas não conseguiu contato durante a tarde de ontem com o procurador-geral e sua asssessoria de imprensa.
Leia mais:
CNMP cancela contrato sem licitação do MP do Piauí
Um procurador de R$ 61 mil
A “guerra” no MP do Piauí
Conselho do Ministério Público faz devassa no Piauí
Deixe um comentário