Na abertura do 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizada ontem (sexta, 2) em Brasília (confira), o ex-ministro José Dirceu, um dos fundadores da legenda, foi a estrela petista mais festejada. Mais magro, com um sorriso constante que mal escondia o semblante abatido, Dirceu parecia estar certo de que, se anda às voltas com o desenrolar da ação penal do mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), o PT lhe garante absolvição prévia.
Os aplausos a Dirceu no início do encontro são o retrato dos dilemas enfrentados pelo partido, e que se refletirão nas discussões a seguir no fim de semana. Em primeiro lugar, demonstram a imensa força que ainda tem a liderança de Dirceu sobre o PT, apesar de ele estar formalmente afastado do poder desde que deixou a Casa Civil no governo Lula e da política eleitoral desde que foi cassado como deputado federal. Mas mostram também os limites que o partido pretende impor à ideia de que a presidenta Dilma Rousseff apenas reage às denúncias da imprensa quando promove mudanças em seu governo, a partir dos casos de corrupção.
A avaliação de que houve excessos da revista Veja na reportagem em que Dirceu aparece despachando, num quarto de hotel, com ministros e políticos petistas aglutinou o partido. Foi o suficiente para retomar o antigo discurso contra a mídia golpista, que estava esquecido no governo Dilma, mas que pautou a era Lula, especialmente em seu segundo governo.
O que na verdade hoje preocupa grande parte da cúpula petista é o rumo que vinham tomando as análises sobre a “faxina” de Dilma em comparação com a forma como Lula reagia às denúncias de corrupção em seu governo. Uma impressão de que Lula, ao contrário de Dilma, era leniente com as irregularidades. E que fora ele quem deixara para Dilma a herança da qual ela tenta se livrar. Afinal, ministros que ela demitiu, como Alfredo Nascimento (ex-Transportes), eram ministros de Lula e permaneceram no governo por indicação dele.
A primeira noite do encontro do PT, na sexta-feira (2), foi um festival de demonstrações de “união” dos principais comandantes do partido – Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e José Dirceu. O resgate da ideia de que o governo Dilma é uma continuidade do governo Lula.
Rodeado de militantes em busca de uma foto ou a oferecer um afago, Dirceu disse ao Congresso em Foco que o PT está cada vez unido, e que o legado do presidente Lula perdura e se desenvolve com Dilma. Mas, diplomático, evitou falar de retorno aos postos de comando da sigla.
“Quem vai comandar o partido é o Rui Falcão [presidente nacional do PT]. Isso aí eu já fiz, e não vou voltar, não. Vou participar e apoiar o Rui. Eu já fui presidente, não está nos meus planos voltar a ser presidente do PT”, disse Dirceu, dizendo-se “feliz” com as “manifestações de afeto e carinho” da militância.
Dirceu falou rapidamente sobre a moção de apoio do PT em relação à reportagem da revista Veja sobre seus encontros com figurões governistas, de ministros a senadores e deputados, passando por altos dirigentes como o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. “Tenho o apoio da nossa presidenta, do Rui… Eles sabem que eu sou soldado disciplinado. Isso [a moção de apoio] não precisava, já não é novidade. A bancada na Câmara já manifestou repúdio à ação criminosa da Veja, nosso presidente também. Gilberto Carvalho, que é o secretário-geral da Presidência, também. A moção é mais um gesto de afeto do que uma ação política”, observou Dirceu, amparado no discurso por petistas graúdos.
Fundamental
A avaliação dos próceres do partido, mesmo na iminência do julgamento no STF, é que Dirceu é importante demais para a unidade do PT. Se para parcela da opinião pública o ex-ministro-chefe da Casa Civil é símbolo de corrupção, para a numerosa militância petista Dirceu é uma referência das raízes da sigla. Para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a figura de Dirceu é “fundamental” para o PT.
“José Dirceu é uma pessoa que construiu o PT desde a sua origem. Ele teve um papel importantíssimo nesse processo. Nada mais legítimo que a militância do PT o homenageie. Ele tem um papel fundamental nesse partido, na sua formação e na sua construção”, disse Cardozo ao Congresso em Foco, acrescentando que a ideia de “faxina” não divide o partido entre os entusiastas de Dilma e os que reclamam da associação do governo Lula com os alvos do combate à corrupção empreendido pela presidenta.
“As palavras da presidenta Dilma foram sábias e corretas, expressando exatamente aquilo que o partido pensa. A questão ética é um dever, e nós atuamos em uma perspectiva ética desde o governo Lula. No governo Dilma ou em qualquer governo que o PT tenha de administrar”, declarou o ministro.
Com gabinete colado ao de Dilma no Palácio no Planalto – logo, na condição privilegiada de conhecedor os bastidores da Presidência –, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse à reportagem que os afagos petistas a Dirceu são justos. “A homenagem a José Dirceu, ao meu juízo, é merecida. Nós entendemos que ele foi alvo de uma injustiça, de um jornalismo marrom inadequado praticado por uma revista. Pelo carinho que o partido tem com ele, era necessária – e inevitável, eu diria – essa manifestação de carinho”, avaliou Gilberto.
A própria Dilma, no mais longo discurso da noite, fez menção honrosa a Dirceu, que sentou-se logo atrás dela e de Lula no agrupamento de lideranças petistas. A referência ao ex-ministro, a quem sucedeu na Casa Civil, foi rápida, de respeitoso cumprimento, depois de vários outros a figuras proeminentes da história petista, e fortaleceu ainda mais o levante de apoio a Dirceu. “Em nome de todos eles, cumprimento o companheiro José Dirceu”, disse Dilma, com críticas a setores da oposição que, “na ausência de propostas”, tentaria sabotar os planos governistas com denúncias infundadas e acusações contra os principais nomes do PT.
“Tem hora em que a oposição, por falta de projeto, utiliza essa fórmula”, discursou Dilma, lembrando o avanço, no governo Lula, de investigações sobre crime de colarinho branco e do fortalecimento e autonomia da Polícia Federal. “Eu acredito na Justiça do Brasil, e que ela não se faz com caça às bruxas ou com colocação de pessoas à execração pública. (…) Um governo não tem como meta o combate à corrupção, porque isso é algo permanente, nunca acaba, é uma ação implícita da investidura no cargo”, arrematou a presidenta.
Resgate
Se a preocupação da maioria da cúpula petista e do governo foi resgatar o governo Lula na comparação com o governo Dilma, há um grupo no PT que busca ir mais longe no resgate do passado. Uma nova tendência no partido estreia no encontro. Trata-se do grupo “Um novo período”, que tem o sociólogo Emir Sader como uma das suas principais estrelas. A tendência, que vai se situar à esquerda do grupo que domina o PT, o antigo Campo Majoritário, hoje denominado “Construindo um Novo Brasil”.
O grupo de Sader quer retomar os valores e princípios originais defendidos pelo PT à época da fundação do partido, em 1980. A tendência chega mesmo a abandonar a tradicional estrela vermelha petista, retomando o símbolo inicial do partido, uma borboleta – que, por curiosidade, no jogo do bicho corresponde ao número 13, utilizado pela legenda em eleições.
O encontro do PT continua hoje e termina no domingo (4), quando o partido divulgará uma resolução com as conclusões dos debates e as diretrizes eleitorais para o pleito do ano que vem.
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