Antônio Augusto de Queiroz*
A produção legislativa no Brasil nos últimos 40 anos sempre teve a prevalência do Poder Executivo. No período autoritário (1964-1985), por força do decreto-lei. No período democrático mais recente, especialmente após a Constituição de 1988, em razão das medidas provisórias.
Essa prevalência do Executivo sobre o Legislativo, tanto na quantidade quanto no conteúdo das políticas públicas, foi muito reduzida em 2005, entre outras, pelas seguintes razões: a) mudança no critério de edição de MPs; b) pela maior participação dos parlamentares na modificação de MPs e de projetos de iniciativa privativa do presidente da República; c) pelo poder conclusivo das comissões para aprovação de projetos de lei; e d) pela crise política e a conseqüente perda de apoio do governo no Congresso.
As mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, na edição de medidas provisórias estão entre as razões da redução do número de leis originárias do Poder Executivo. A limitação temática, a proibição de reedição, a perda de eficácia após 120 dias de vigência sem aprovação e, principalmente, o bloqueio da pauta após 45 dias de sua edição foram decisivos para limitação do número de leis de iniciativa do presidente da República.
A participação dos parlamentares na produção legislativa tem crescido nos últimos anos, notadamente na modificação das matérias propostas pelo presidente da República. Em 2005, foram editadas 41 medidas provisórias. Das 36 aprovadas, somente 13 não sofreram alteração. Ainda assim, porque a maioria delas tratava da abertura de crédito extraordinário, matéria na qual os parlamentares possuem pouca margem de manobra. Quanto aos projetos de lei, exceto aqueles cuja modificação significasse aumento de despesa, todos foram aperfeiçoados.
O poder conclusivo das comissões na apreciação de projetos de lei, especialmente no período em que as pautas da Câmara e do Senado estiveram bloqueadas por medidas provisórias, foi utilizado largamente pelos parlamentares, que descobriram ser possível aprovar muitas leis de iniciativa própria e também de outros poderes, se valendo dessa prerrogativa constitucional. Para ilustrar, dos 76 projetos de lei aprovados pela Câmara e pelo Senado em 2005, 46 foram apreciados conclusivamente pelas comissões, superando em 16 o número submetido aos plenários das Casas do Congresso.
A crise política, que reduziu muito a legitimidade do Poder Executivo e dos principais líderes dos partidos de sustentação do governo, praticamente paralisou as atividades de plenário. Como não havia maioria para aprovar as medidas provisórias que bloqueavam a pauta das Casas do Congresso, governo e oposição se revezavam na obstrução. Com isso, ganhavam impulso os projetos que tramitavam conclusivamente pelas comissões, sem a necessidade de apreciação pelos plenários das Casas.
Segundo o Anuário estatístico do processo legislativo, publicado pela Câmara dos Deputados, das 112 leis aprovadas em 2005, 64 eram oriundas da Presidência da República (projetos e MPs), 45 de iniciativa de parlamentares, sendo 33 de deputados e 12 de senadores, e três de outros poderes, sendo duas dos tribunais superiores e uma da Procuradoria Geral da República.
Sem contar as modificações feitas na maioria das proposições provenientes do Executivo, 40,17% das leis foram de iniciativa de parlamentares. Se considerarmos que, entre as 64 leis de iniciativa do Executivo, 46 eram originárias de medidas provisórias (algumas delas editadas no final de 2004), cuja edição é privativa do presidente da República, e pelo menos mais 10 leis trataram de créditos extraordinários, matéria também de iniciativa privativa do Executivo, a produção própria do Congresso foi muito grande.
Já de acordo com levantamento do Senado, publicado no Relatório da Presidência de 2005, a situação é mais favorável ainda aos parlamentares. Pela primeira vez nos últimos 16 anos, excluídas as proposições sobre orçamento (créditos adicionais e abertura de créditos extraordinários, alguns editadas por MP), segundo a compilação de dados feita pelo Senado, o Congresso superou o Executivo na produção legislativa.
Das 112 leis aprovadas, 66 eram de iniciativa de parlamentares, sendo 54 de deputados e 12 de senadores, e 39 do presidente da República, sendo 10 oriundas de projetos de lei e 29 de medidas provisórias, excluindo-se as leis de iniciativa do Executivo os projetos sobre créditos adicionais e as MPs sobre créditos extraordinários.
Independentemente dos fatores conjunturais e da divergência de dados extraídos das publicações das duas Casas do Congresso, o fato é que o Poder Legislativo tem agido de modo mais afirmativo na produção legislativa, seja modificando matérias de iniciativa privativa do Presidente da República, como nos casos de medidas provisórias e projetos de exclusiva competência do Executivo, seja aprovando projeto de iniciativa de parlamentares. Como as contribuições do Legislativo às proposições do Executivo aperfeiçoaram o conteúdo das políticas públicas, a tendência é que essa maior participação do Legislativo se afirme cada vez mais.
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
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