Há alguns dias, Zé Maria, o candidato do PSTU à Presidência, visitou a redação do Congresso em Foco. Fizemos com ele uma entrevista, que irá ao ar no próximo sábado (7). Durante a conversa, porém, Zé Maria observou como a atual regra eleitoral, de saída, já define em grande parte a eleição. Já comentamos aqui que a polarização da eleição entre Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB, foi uma coisa forjada. Não vamos nunca saber se era mesmo essa a vontade do eleitorado, porque outras opções não foram concretamente colocadas à prova. E é um pouco disso o que falava Zé Maria.
Além das movimentações políticas, que impediram o surgimento de outras candidaturas com força, as próprias normas eleitorais contribuem para limitar o leque de opções para os eleitores. As jogadas políticas fizeram com que Lula e o PT pressionassem o PSB e impedissem que o partido desse legenda para Ciro Gomes se candidatar. Conseguiram também evitar que Marina Silva ampliasse alianças além do seu diminuto PV. E as regras eleitorais tornam os demais candidatos, os ditos nanicos, ilustres desconhecidos. E é muito difícil que alguém escolha depositar seu voto em nome de um ilustre desconhecido.
Pelas atuais regras, muito dificilmente algum dia algum candidato conseguirá repetir o que fez Fernando Collor em 1989. Collor criou um partido novo, o PRN, lançou-se quase como um candidato independente e ganhou as eleições. Introduzindo pela primeira vez as ferramentas do marketing – que, depois, se tornaram regra -, Collor dizia o que os eleitores queriam ouvir, aliava a isso uma imagem fabricada de super-herói, e, assim, conquistou o eleitorado.
Até pelo malogro da experiência, as regras que se seguiram trabalharam muito para evitar que isso se repetisse. O bom é não cair outra vez nos truques de um aventureiro que, mais de vinte anos depois, ainda se mostra desequilibrado o suficiente para ligar para a redação de uma revista xingando e fazendo ameaças. O ruim é que o remédio imaginado para isso foi estabelecer um sistema eleitoral que privilegia os grandes partidos já constituídos e congela neles a discussão política realmente com possibilidades eleitorais.
Se as atuais regras fossem as de 1989, o segundo colocado talvez não tivesse sido Luiz Inácio Lula da Silva também. Com um partido que à época também não tinha grande estrutura, Lula provavelmente teria bem maiores dificuldades. O sistema atual convida os partidos a fazerem alianças para engrossar suas campanhas, desestimula o que foi o modelo daquela eleição,quando cada um se expôs e apresentou seu próprio nome. As surpresas naquela ocasião se tornarem possíveis porque todo mundo teve condição de apresentar seu discurso.
O atual modelo baseia tudo no tamanho das bancadas que os partidos têm na Câmara. Ou seja: quem é grande, prossegue grande, e vira noiva cobiçada. Quem é nanico, vai morrer nanico. O primeiro fator é que isso já concebe de saída na cabeça da mídia que vai cobrir a eleição quem será candidato pra valer e quem estará ali pra cumprir tabela. A regra da isonomia a partir do tamanho da bancada vale para a cobertura também. Assim, os candidatos menores acabam ignorados. Como só os grandes aparecem, já fica meio estabelecida a polarização.
Em 1989, todos os candidatos participaram dos debates. A exceção foi Collor, que não quis, criando uma regra informal estúpida e anti-democrática, pela qual quem tem mais chance passou a fugir de debater. Lula não cumpriu essa regra em 2002, mas em 2006 também não debateu com Alckmin. No debate que acontecerá na quinta-feira (5), pelo menos teremos Dilma. A situação de empate, dentro da margem de erro, que todas as pesquisas apontam, não a autoriza a escapar de debater. Dos nove candidatos à Presidência, porém, só participarão do debate quatro. A regra que privilegia as bancadas na Câmara valeu de novo. Dos nanicos, escapou apenas Plínio de Arruda Sampaio, do Psol.
Quando começar a propaganda de TV, a disparidade continuará. Candidatos como Zé Maria terão apenas alguns segundos para passar seu recado. E, àquela altura, já estará claro para a grande maioria do eleitorado que ele não tem a menor chance, passando a sensação de que votar nele ou em qualquer um dos candidatos nanicos constitui-se apenas numa forma de protesto. O que Zé Maria reclama é que as regras tiram na prática os candidatos menores, como ele, da disputa. Eles praticamente não têm condições de apresentar ao eleitor suas ideias. Nunca serão, assim, figuras decisivas no jogo eleitoral. E, pequenas, ficarão condenadas a ser sempre pequenas. Afinal, se a condição para disputar uma eleição com chances é ser grande, de que forma algum pequeno poderá crescer para poder, um dia, disputar uma eleição com chances?
O curioso é que a repetição da regra tirou da disputa tanto o menor como o maior. Os pequenos ficam alijados pelo que já se explicou acima. E o maior de todos – o PMDB – sai da disputa porque descobriu que, pelo seu tamanho, tornou-se o melhor parceiro do mundo para quem tem um candidato com boas chances eleitorais. Liberado do risco de desgaste que governar o país pode provocar, o PMDB empresta seu tamanho sem se comprometer tanto. Lucra se estiver ao lado do vencedor, e deixa sempre uma porta aberta, reservando ao principal adversário uma parcela de apoio dissidente. Quando perde a aposta, como aconteceu em 2002 (quando oficialmente apoiou Serra), muda as cadeiras de lugar e segue sua vida.
Enfim, as regras evitam o aparecimento de um novo Collor. Mas evitam também o surgimento de alguém desvinculado das estruturas partidárias tradicionais que fosse mais bem intencionado do que ele foi.
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