Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
Renata Camargo, de Belém
Os movimentos sociais de esquerda e entidades civis ainda estão despreparados para propor para uma nova ordem econômica. A crítica é do sociólogo e cientista político Emir Sader. Na opinião do intelectual paulista, os representantes dos movimentos ligados à terra e às ONGs, os educadores e outros grupos sociais ainda exercem pouca influência para mudar a conjuntura.
A análise foi feita durante o Fórum Social Mundial, maior encontro da sociedade civil e de ativistas de esquerda do planeta. Sader defende que essas organizações tenham maior participação na política institucional, único caminho para a implantação de alternativas contra a crise.
"O fórum foi feito para contribuir para a construção de ‘um outro mundo possível’. As entidades da sociedade civil são muito boas para resistência, mas não para disputar a hegemonia. Tem que se fazer como o movimento indígena boliviano, restabelecer as relações com a política, fundar um partido e eleger um governante na perspectiva da superação do neoliberalismo", considerou Sader.
As críticas de Emir Sader foram rebatidas pelo filósofo e teólogo Leonardo Boff. "Ninguém tem alternativas imediatas para a crise. A humanidade deve começar a refazer a economia a partir de baixo, como os gregos vendo, lá de baixo, como organizar a produção", argumentou.
Para Boff, os movimentos e entidades sociais devem "se considerar vencedores", já que as idéias defendidas pelas elites econômicas se mostraram fragilizadas com a crise. "A verdade é que nossas razões se confirmaram. Mas temos que andar com os dois pés: um pé no velho sistema, porque nós temos que produzir e garantir a humanidade andando, e outro pé, buscando alternativas. Não há como parar a roda. Só é possível reduzir a velocidade", considerou Boff.
Euforia
A crise financeira mundial provocou uma surpreendente onda de otimismo em grande parte dos participantes do fórum, onde debatem representantes de movimentos sociais e ONGs, sindicalistas, esquerdistas e intelectuais. Muitos acreditam que o mundo passará por uma grande reestruturação, momento ideal para as conquistas.
"Não sabemos se essa reestruturação será conservadora. O Obama em seu discurso de posse disse que os Estados Unidos estão prontos para voltar a liderar. Ou se será progressista, em que aqueles países e setores sociais mais amplos desenhem um mundo pós-neoliberal", afirmou o secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar.
O dirigente petista evitou fazer previsões. "O que acontecerá dependerá da luta social e política", avaliou. "Não devemos comemorar a crise, mas também não podemos nos surpreender com ela. Mais cedo ou mais tarde esse castelo de especulação iria desabar. Vai ser preciso muita audácia daqueles entre nós que pretendem acabar com o capitalismo e implantar um novo sistema", concluiu.
Pós-neoliberal
Na avaliação do ex-coordenador social do Programa Fome Zero – extinto programa do governo Lula, transformado no Bolsa Família –, Frei Betto, a crise atual ultrapassa a esfera econômica. Além de se agravar por ser também permeada por crises ambientais, a atual mudança na conjuntura é resultado da falência de idéias "neoliberais" – doutrina econômica que defende o livre mercado e a restrição à intervenção estatal.
"O capitalismo é radicalmente desumano, contrário à natureza humana. Primeiro, pela desigualdade social que leva à acumulação privada da riqueza. Segundo, pela devastação ecológica que estimula e, terceiro, por tratar todos como consumidor. O valor das pessoas está mais no que elas consomem do que em si mesma", considerou. "Tem que ser superado. Felizmente está em crise. Não sei se definitiva, mas está em crise", concluiu.
Para Emir Sader, a crise é conseqüência no atual modelo econômico vigente. O intelectual afirma que o modelo "neoliberal, em que o poder do dinheiro prepondera", é a causa do colapso. "A causa é que se generalizou a idéia de que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra, que tudo é mercadoria. Precisa-se restabelecer os direitos das pessoas e a esfera pública. As pessoas têm que ter direitos além do poder de compra", diz.
Sader defende ainda a unificação de políticas econômicas entre países da América Latina. Sugere a criação do Banco do Sul, de uma moeda única e de uma política econômica unificada. "A crise foi forjada no primeiro mundo, no centro do capitalismo, e eles exportaram essa crise. Há horizontes novos que devem ser fortalecidos. É preciso fortalecer os mercados internos, já que os fluxos, exportações e créditos externos estão enfraquecidos".
Alternativas
Como medidas imediatas para amenizar os efeitos da crise, o secretário-geral da Confederação Sindical das Américas, Victor Baez, afirma que é preciso intensificar a pressão do Estado para que as empresas "se sacrifiquem" para não ampliar os efeitos da crise nas classes sociais menos favorecidas.
"O Estado colaborou com as empresas nas épocas boas e elas se beneficiaram, agora elas têm que se sacrificar. Elas têm que evitar demissões e não devem flexibilizar os direitos trabalhistas", afirmou.
O empresário Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos de Responsabilidade Social de Empresas, defendeu que parte dos recursos aplicados para salvar instituições financeiras devam ser destinados a políticas sociais. Oded criticou a postura dos governos de reduzir investimentos em educação, saúde e programas sociais.
"Sempre falamos que era preciso estabelecer outros valores. Agora na crise financeira, de repente, apareceram trilhões de dólares que estavam aí e que poderiam ter sido usados para combater problemas sociais, investir em energias renováveis, em educação. É onde estavam esses recursos? Estavam no sistema financeiro e voltaram agora para socorrer montadores e bancos", argumentou.
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