Márcia Denser
O sujeito da pós-mediocridade deu tanto ibope que resolvi continuar com o tema. Lembram do “Movimento Cansei” de triste lembrança, um típico “desacontecimento” de nossa época, ocorrido em julho de 2007? Na época, fazendo um balanço dos depoimentos de pessoas de diversas áreas – economia, política, teatro, publicidade, música – conclui que todos apontavam para um conceito-chave: a mediocrização generalizada da sociedade.
Ou enburrecimento. Ou idiotice. Ou irrelevância. Ou barbárie. Generalizados. Do ser humano, do pensamento, da política, das artes, da mídia, do Brasil, do mundo, do debate público. Sobretudo do debate público.
Mirisola toca este ponto, na última coluna, ao observar que uma fulaninha processa o Macaco Simão por causa de um trocadilho igualmente bundão e pedestre. “Ou seja, é o debate que temos no Brasil de hoje. Além da família Sarney, é claro. Que usa o dinheiro público para pagar desde o hors d’oeuvres do carteado até o gigolô da netinha. O que mais?”.
E essa mediocrização – resultado dum contínuo e persistente embotamento de idéias aliado ao debate de irrelevâncias – é simultânea a um processo de radicalização que não deixa espaço para diferenças, inibe o diálogo inteligente, quando não o extingue por completo. Radicalização que faz a defesa ideológica do preconceito e do privilégio e cujo objetivo é a normalização do preconceito e do privilégio.
Para o economista Nildo Ouriques, essa atmosfera de mediocridade é insuportável para quem pensa politicamente e para a maioria do povo – que nem pode pensar – mas ela é ultrafuncional e intencional porque vão nos levando no bico, de escândalo em escândalo, como se essa fosse a grande política. Este é o primeiro aspecto da mediocridade. O outro é que as condições econômicas estão permitindo a todas as frações do capital (comercial, agrário, industrial e financeiro), que estão maravilhosamente bem, fechar um pacto, atolando o país na dívida pública interna. Enquanto perdurar este pacto, garantido pela economia, não se discute nada essencial. Taxa de desemprego elevadíssima, salários baixos, a cultura do país submetida à industria cultural dos países centrais, enfim, enquanto persistir essa aliança entre os de cima, só a indignação dos debaixo não é suficiente para romper tal mediocridade.
O publicitário Ercílio Trajan considera que, não só o país, mas o mundo vive um momento de mediocridade. Se houve uma infantilização da linguagem, que é o que Hollywood nos oferece, divulga, normaliza, há cada vez menos diálogo e tempo para pensar. A publicidade já não sabe rir de si mesma, não tem mais senso de humor, tornou-se um negócio burro, que defende ideologicamente o preconceito, porque as pessoas passaram a reivindicar o direito de exercer o preconceito. A propaganda é o retrato fiel desse momento grosseiro, agressivo, tosco.
O chargista Angeli diz que não se discute mais política de maneira inteligente. Se critica o presidente, é execrado, se critica a direita, idem: “As pessoas não percebem que não estou ali fazendo campanha, estou fazendo crítica, esta é a função da charge. Charge a favor não existe!”
Tom Zé: “Não privatizemos a mediocridade, ela não é exclusividade nossa. Está bem difundida mundo afora, é só olhar as séries de televisão, certa literatura. Voltemos para um passado recente: quando esses caras tomaram como bula e guia as revistas que propõem o alto luxo como cultura, não alegaram cansaço,né? Não se cansaram do uso do adjetivo “exclusivo”, que implica exclusão, ilustrada com fotos de relógios e barcos. São estes os protagonistas do descontentamento?Há séculos que no Jardim Ângela, no Amazonas, nas escolas devastadas, que o pessoal está farto. Andamos tão desarticulados que uns se juntam com suposta cara cívica, outros jogam lixo pela janela. Se isso não é barbárie plantada em quatro patas, então inventem outro nome. Porque é”.
Antonio Abujamra: “Sintoma mais visível da mediocridade nacional hoje? O fato de não existirmos. A farsa ficou uma grande excitação. A cópia é a mais difícil das artes. Copiem Picasso, Portinari, Cézanne. Lembro uma empregada, há 40 anos, que saltou duma janela em Copacabana e deixou um bilhete: Cancei”.
Irretocável Abujamra.
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