Geraldo Serathiuk*
Atravessamos mais um momento de profunda crise e decepção com o sistema político. Decepção da população como um todo e daqueles que lutaram contra o arbítrio, indignados com o fato de ver o presidente, governadores e prefeitos progressistas, em nome da chamada governabilidade se aliarem com pessoas que eram inimigos de ontem, aos quais denunciavam por imoralidades e outras coisas mais. E ainda para piorar não conseguem efetivar políticas fundamentais que prometeram para se eleger. Em razão disso, mostro a causa principal deste fato acontecer. Isto é a realização de um projeto dos estrategistas do poder econômico, em especial, o financeiro. Ora vejam porque.
O governo federal acaba de encaminhar uma proposta de reforma política ao Congresso Nacional propondo lista fechada, financiamento público exclusivo, fidelidade partidária, inelegibilidade, fim das coligações proporcionais e cláusula de barreira. Tal proposta partiu do diagnóstico do atual sistema que rege o processo político brasileiro, é “balizado por um presidencialismo de coalizão incrustado em um quadro partidário multifragmentado e volátil, que condiciona os governos à montagem de composições partidárias amplas, com vistas à garantia mínima de governabilidade”. E que num quadro desses, os sucessivos mandatários, eleitos pela via democrática, tiveram dificuldades para governar, pois a montagem do governo e de sua sustentação no parlamento nunca se deu em bases programáticas. Pelo contrário. As coligações são apenas para atender às demandas paroquiais, há exacerbação de personalismo, prevalência do poder econômico e fragilização dos partidos, inviabilizando um projeto nacional. Com reflexos nos demais poderes e nas esferas estadual e municipal.
Afinal, o sistema mantido pela nossa Constituição Federal foi o estruturado pelo poder econômico, vendo o seu modelo de desenvolvimento elitista e para poucos ruir com desemprego, carestia e miséria. Trouxe o avanço das oposições nos Estados mais populosos, com a inevitável perda da presidência, os governos e prefeituras, resolveram montar um sistema parlamentar para continuar dando as cartas. Principalmente porque este sistema político tem como base excesso de partidos, fracos e elege inevitavelmente pessoas muito, muitíssimas desqualificadas. O que é bom para o poder econômico e para as oligarquias regionais continuar mandando nos governos.
Diagnóstico correto colocado na mensagem da proposta de reforma política, porém, não se fala num dos temas mais importantes para a reforma política, que é a distorção do sistema representativo pela falta da adoção do coeficiente eleitoral nacional, para a eleição dos deputados federais e a necessidade de tirar o papel do Senado Federal de segunda Câmara revisora, que agride o Estado de direito democrático.
No caso da Câmara dos Deputados, casa de representação do povo, determinou que poderão eleger-se um mínimo de oito e um máximo de setenta deputados federais por Estado-membro. Não adotando a forma de coeficiente eleitoral nacional o que acabou produzindo uma distorção, pois aproximadamente 40% dos eleitores elegem 263 deputados federais e 60% dos eleitores elegem apenas 250 deputados federais.
O Senado Federal – casa de representação dos Estados-membros – que foi ampliado com a transformação de territórios pouco populosos e com pequenas economias, que deveria ter como atribuição discutir matérias de interesse da União e de conflitos entre as unidades federativas, mantendo o equilíbrio para o desenvolvimento das regiões. Mas, por distorção do sistema representativo, os senadores têm um dos campos de atribuições e competências dos mais amplos do mundo, podendo votar e vetar tudo, como se fosse uma segunda Câmara revisora.
A forma de impor um mínimo de três senadores por Estado-membro, gera uma distorção em que, aproximadamente, 40% dos eleitores elegem 59 senadores e 60% dos eleitores elegem apenas 22. Simbolizado na figura do senador eleito com 10 milhões de votos, tendo o mesmo peso de um senador que se elegeu com 300 mil votos. Isso é tão grave, pois o campo de atribuição e competência tão amplo acaba barrando a modernização das legislações brasileiras, pois representantes de Estados-membros poucos populosos e com economia pequena acabam impondo projetos locais, às vezes pessoais, em detrimento aos interesses estratégicos da sociedade brasileira.
Diante desse dilema, a reforma política – que seria realmente necessária – vai sendo protelada e o eleitor brasileiro em alguns Estados-membros vale 0,5 voto, enquanto em outros vale 15,4 votos. Não é por acaso o desinteresse pelas eleições, pois a distorção do sistema representativo distancia o representante do representado, comprometendo o sistema democrático. Distanciamento que não será resolvido só com a reforma proposta.
Em função dessa distorção, qualquer Presidente da República, Governador e Prefeito eleito pelo voto direto, por mais progressista que seja, teve, tem e terá problema de governabilidade. É só ver o caso recente do presidente Lula, eleito com 40 milhões de votos no primeiro turno. Caso tivéssemos o coeficiente eleitoral nacional, ele teria elegido uma bancada de apoio muito maior. Mas, a distorção do sistema representativo fez eleger bem menos, gerando problemas de governabilidade. Resultando naquilo que o poder econômico que um presidencialismo de coalização, ou seja, você pensa que esta votando num presidente, governador e prefeito com um programa de governo progressista, mas nas eleições do parlamento, em razão da deformação do sistema político, a sociedade não percebe que elege um governo de coalização, às vezes conservador, desqualificado e retrógrado. E por isso, é difícil governar e implantar políticas públicas voltadas para o povo por culpa desta engenharia política imposta pelo poder econômico e as oligarquias regionais, que resistem em mudar. Pois ganharam e ganham muito com ela.
Há de se considerar também que a distorção do sistema representativo, estruturado pelo poder econômico, para evitar o avanço das oposições progressistas, acabou gerando um custo muito alto para o país manter a governabilidade, pois para garantir a maioria no parlamento foi usado como moeda de troca à criação e a manutenção de inúmeras estruturas públicas desnecessárias no âmbito federal, estadual e municipal. Incluindo as indicações para o poder judiciário e nos tribunais de contas, colocando em dúvida o princípio da independência dos poderes. Além do mais, acabamos por ter um sistema representativo deformado que ajudou muito na construção de uma divida interna e externa e um sistema previdenciário que beneficia a poucos, agregado o fator previdenciário, que vai dilapidando os benefícios com o tempo. E, também, a manutenção do controle dos meios de comunicação, de um sistema agrário, urbano, tributário questionável e uma política de juros e cambial que onera o setor produtivo nacional e a sociedade; impedindo a nossa industrialização, impondo um projeto de exportadores de commodites (matéria prima sem industrialização e agregação de valor, como açúcar, farelo, madeira, minério, carne in natura etc), e por conseqüência a dura realidade na divisão internacional do trabalho, de geradores de empregos com baixos salários.
Por isso, a sociedade brasileira deve debater a reforma política sob a ótica de um novo pacto federativo, para que se redefina as atribuições dos senadores, o critério de composição do Senado Federal e inclua a mudança na eleição da Câmara dos Deputados. Não só sob o enfoque da reforma do sistema partidário e eleitoral. Devendo-se exigir a implantação do coeficiente eleitoral nacional, de acordo com o fundamento do princípio “um cidadão, um voto”. Esse princípio desaguará na regulamentação de mecanismos de participação popular e na reforma do Estado com o objetivo de se construir, verdadeiramente, um Estado de direito democrático e, por decorrência, um novo modelo de desenvolvimento democrático para todos os brasileiros.
*Advogado especializado em direito tributário pelo IBEJ/PR e com MBA de Marketing e Estratégia da UFPR.
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