Rudolfo Lago *
É claro que querer reduzir a reeleição de Lula à vitória da falta de ética ou da ignorância da média do eleitorado brasileiro é coisa de articulista hidrófobo e bobalhão que achava que tinha força sozinho para derrubar o governo. Há alguns por aí bem posicionados na imprensa brasileira. Derrotados, passaram a usar os espaços de que dispõem para agredir o eleitor e as suas escolhas. Das suas salas refrigeradas, pouco conhecem o Brasil e as suas motivações. Lula não venceu porque o eleitor resolveu de repente ficar cínico e mal intencionado. Até porque, se fosse só por isso, ele teria de juntar a esses adjetivos um outro: burro.
O governo petista continua porque permitiu à boa parte da parcela mais pobre da população acesso a coisas que ela nunca tinha visto ou não via há muito tempo. Seja por seus acertos ou por um momento virtuoso da economia mundial (e aí o máximo que se pode criticar é que ele talvez pudesse ter sido mais bem aproveitado), houve crédito e estabilidade financeira para que essas pessoas adquirissem bens com os quais até então nem sonhavam. Lula conseguiu imprimir o discurso conservador de que uma mudança poderia colocar essa situação em risco. E foi principalmente por isso que venceu.
Agora, é verdade também que muitos eleitores de Lula e do PT chegaram às eleições convencidos de que a matéria-prima da política é a mesma que os alquimistas usavam para fazer ouro. Concluíram que a cultura política brasileira e a necessidade de alianças com os partidos fisiológicos num quadro eleitoral que não garante maioria a nenhuma força isolada obriga os governos ao jogo sujo. Como esses partidos com os quais os governos vêem-se forçados a se aliar não teriam qualquer outra motivação além da pecuniária, não haveria alternativa senão sucumbir às pressões fisiológicas deles. E, aí, chegamos aos mensalões da vida.
Como crêem que as motivações do PT são nobres, avaliam que eles podem mesmo fazer como os velhos alquimistas: mexer nesse produto malcheiroso e transformá-lo em ouro. A verdade é que não podem. E essa impressão de parte do eleitorado de que não há outra forma de se fazer política é possivelmente a conseqüência mais danosa que fica das eleições deste ano.
Há, porém, um dado alvissareiro resultante da crise do mensalão. Felizmente, ao contrário dessa percepção de alguns eleitores, alguns setores do governo parecem ter aprendido com a crise que mexer em merda não produz outra coisa além de merda mesmo. A prevalecer o pensamento do ministro da Articulação Política e Relações Institucionais, Tarso Genro, o governo, graças a Deus, sairá dessa linha heterodoxa de fazer política. Tancredo Neves costumava dizer que esperteza demais acaba por consumir o esperto. O mensalão foi um caso típico de excesso de esperteza.
O PT, certo da sua "superioridade", não compartilhava poder no governo. Seguro de que aos partidos fisiológicos só interessava dinheiro, entregava-o em espécie mesmo aos aliados e mantinha o controle de tudo. Quando a coisa estourou, foi fácil para esses aliados perceberem que o PT poderia simplesmente descartá-los e seguir com tudo sob seu comando. Foi por isso que Roberto Jefferson veio a público denunciar o que acontecia. Aí, inverteu o processo: como não havia áreas de responsabilidade exclusiva do PTB ou de qualquer outro partido mensaleiro, não dava para o PT isolar neles o problema. Quando se mexeu, sobrou para todo mundo.
Tarso Genro propõe agora de fato um governo de coalizão. É a receita clássica de qualquer democracia na qual o partido no comando não detém a maioria. Pressupõe realmente o compartilhamento do poder. Evidentemente, não acaba a corrupção por mágica. Ao contrário, se entregará áreas do governo a forças pretensamente fisiológicas, deixará essas áreas expostas à corrupção. Qual é a vantagem, então? A vantagem é que o escândalo não fica difuso, como aconteceu nos casos do primeiro mandato. Não vira uma salada na qual não se sabe bem ao certo quem chefiava exatamente o esquema e com qual objetivo.
Se surgir uma denúncia num ministério de "porteira fechada", como se diz, a responsabilidade será do ministro e do partido ao qual tal setor foi destinado. É menos complicado resolver o problema rapidamente, sem drama, sem investigações demoradas que provavelmente não chegam a lugar nenhum. É possível adotar-se o método Itamar Franco: afasta-se o ministro denunciado até o final da investigação; se ele for inocente, volta; se não for, um abraço. Esse é o caminho normal. É assim que se faz na maior parte das democracias. Querer inventar a roda é a provável rota mais curta para o fracasso.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.
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