Maria Cláudia Cabral*
O combate ao crime de pirataria é desafio no mundo inteiro. Seja em Nova Iorque, São Paulo ou Tóquio, lá estão os ambulantes vendendo produtos piratas.
O tema é mais complexo do que se apresenta, e as variáveis envolvidas tão diversas quanto são os segmentos econômicos atingidos.
Falar em pirataria de bolsas não é o mesmo que discutir pirataria de remédios ou de brinquedos. Ainda assim, há pontos em que os prejuízos convergem, tais como arrecadação fiscal, financiamento ao crime organizado e, claro, prejuízo financeiro àqueles que produzem o original.
Outros pontos são peculiares a cada segmento econômico. Piratear remédios, óculos e brinquedos representa um risco à saúde pública. Já no caso de segmentos como CDs e DVDs, talvez haja também o questionamento a um modelo de negócios já ultrapassado.
Parece simples? Não é, se o fosse, estou certa de que a indústria já teria implementado novos modelos. Não sou especialista nesses mercados. No entanto, reflito cada vez que vejo matérias sobre a pirataria de CDs e de DVDs. Como seria possível incluir todos esses vendedores – os formiguinhas – ao mercado formal, por meio de um novo modelo de distribuição dos produtos, beneficiando não apenas aqueles que sustentam suas famílias com a venda ‘dos piratas’, como também o consumidor que teria a preço popular, produtos de qualidade?
Segundo a MUNIC 2006, os gastos no orçamento familiar com cultura são maiores que com educação, da ordem de 5,4%, não variando em razão da classe social. Ou seja, em termos proporcionais, a classe A gasta o mesmo que a classe D. Sabendo-se disso, poderíamos supor que boa parte desses 5,4% na classe D são gastos com CDs e DVDs piratas.
Ora, se há esse nível de consumo, há mercado, me parece claro. E se há mercado, porque a indústria ainda não pensou em atendê-lo? Há uma máxima que diz que ‘’os espaços vazios são ocupados’’. Nesse sentido, talvez a indústria tenha dormido no ponto, sem perceber a enorme demanda que havia por produtos culturais nas classes menos abastadas. Focada nas classes média e média alta, não enxergou parcela importante da sociedade.
Essa parcela não apenas queria produtos culturais, como precisava de renda. Casamento perfeito para a pirataria: por um lado um exército de vendedores/as ambulantes gerando renda para sustentar suas famílias, de outro um mercado consumidor invisível aos olhos dos grandes. No meio, uma classe média que não quer ser tratada como boba, pagando R$ 35,00 (trinta e cinco reais) em média por um CD ou DVD quando pode comprar no conforto do happy hour por bem menos da metade do preço o produto.
Esses espaços vazios foram preenchidos pelo crime organizado. Agora, resta correr atrás do prejuízo, que não é pequeno nem para as empresas, nem para o Estado, tampouco para a sociedade. A pirataria está gerando renda para milhares de ambulantes, está garantindo acesso à cultura e, talvez por isso, a conduta antijurídica típica (crime) reprovável, não seja assim percebida pelo conjunto da sociedade. Hora de parar de dar soco em ponta de faca e repensar os modelos, num mundo em profundas transformações.
*Maria Cláudia Cabral é advogada, gestora cultural e blogueira
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