Márcia Denser*
Para mim, foi muito inspiradora a observação do Albert Steinberger, nosso colega na Alemanha, quando disse, mais por intuição que reflexivamente, que a cultura brasileira continua em alta na Europa, embora o Brasil tenha perdido a Copa. Segundo os analistas internacionais, duas são as razões dessa tendência: 1) a despeito das proporções continentais, historicamente o Brasil não é um país imperialista; 2) o presidente Lula e sua política internacional: combinadas, ambas interferem positivamente no imaginário coletivo mundial, tão castigado por guerras, fome, violência, injustiça social. Sem contar a hegemonia maldita representada concretamente pela Organização Mundial de Comércio (OMC) e o G-8, sugerindo uma possibilidade ou alternativa, mesmo remota, de esperança. Somada, naturalmente, ao atual contexto político sul-americano que inclui Hugo Chávez e Evo Morales, isto é, que põe operários, camponeses e "cholos" em suas lideranças.
E isso é um fato que a grande imprensa brasileira terá ainda de apresentar ao povo deste país, é uma realidade global, externa, que as elites terão de admitir para si próprias, se não quiserem ser deslocadas pela irreversibilidade histórica. Porque a realidade simbólica de um evento ou ser humano ainda é infinitamente mais poderosa que sua existência concreta, contingente.
Mas no Brasil, infelizmente, a mídia age como partido político, citando a brilhante observação do jornalista José Arbex, "para quem a Folha de S. Paulo seria o órgão oficial do PSDB". Avaliando a cobertura da mídia envolvendo o governo e o partido do presidente Lula, para ele, "não houve cobertura e sim uma campanha política, desrespeitando todos os manuais de redação". Arbex, que também é professor de jornalismo, vai fundo ao expor pedagogicamente essa questão**. Citando Gramsci, assinala que a imprensa teve papel fundamental no processo de formação da sociedade civil. No momento em que se formavam sindicatos, associações profissionais e centros comunitários, se estabelecia uma camada de opinião baseada nos partidos e grupos formados em torno de ideologias.
A grande contradição fica por conta do fato de a imprensa ser controlada pelo capital privado mas tratar de assuntos públicos, daí abordar tais assuntos de forma privada quanto ao seu conteúdo, ao seu direcionamento e à própria linguagem.
A primeira emenda da Constituição norte-americana, observa Noam Chomsky, reza que o Estado não pode censurar a opinião pública, mas não menciona as corporações, pois, quando foi escrita, as corporações ainda não existiam como instâncias de poder. E hoje são elas que censuram, controlam, definem o que é e o que não é notícia, divulgando os fatos de acordo com seus interesses corporativos. Dando para esses fatos a aparência de fatos públicos, quando são fatos determinados por interesses privados. Assim, toda imprensa é partidária, movida por interesses que não são públicos, mas ideológicos e econômicos. Interesses capitalistas.
E isso me faz lembrar o saudoso Bussunda e a turma do Casseta & Planeta, cuja proposta inicial de humor como crítica da sociedade se dava de forma extremamente original, numa promessa de renovação do próprio gênero na tevê brasileira, mas foi se perdendo ao longo do tempo, melancolicamente reduzida à "crítica" (outra forma velada de marketing) das novelas globais.
Interesses capitalistas… no futebol, perdem a Copa; no humor, perdem a graça.
**Entrevista publicada no site www.bafafa.com.br.
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