Marcos Magalhães
O amigo pega o outro pelo braço, e a pergunta sai quase como um sussurro: você vai votar em quem para presidente? A resposta sai no tom de desabafo. "No Lula nunca mais", diz um. "Pois nesse PSDB eu não confio", responde o outro. Diálogos assim têm se repetido pelo país entre os dois turnos desta eleição entristecida. Das outras vezes, nosso voto era quase sempre um sim para alguém. Agora, para muitos de nós, o voto virou um não para o outro alguém.
Os críticos emplumados sempre desfilam os sucessivos escândalos de corrupção no governo como motivos mais do que suficientes para que ninguém nunca mais pense em digitar na urna eletrônica os algarismos que compõem o número do PT. "Lula nunca mais", como estampam até camisetas vendidas nas calçadas dos botequins do Leblon, antigo reduto da esquerda chique do Rio.
Os petistas remanescentes apegam-se aos símbolos. O velho Lula operário, o partido que nasceu dos sindicatos, o candidato que seria ainda porta-voz dos chamados movimentos populares. Antigos chavões também são úteis. O PSDB, na linha mais comum de raciocínio, seria apenas a face moderna dos 500 anos de dominação de uma elite burra, retrógrada e mesquinha.
Para quem gosta de um teatrinho político, tudo muito bom. Mas as acusações mútuas não estão empolgando. Ou alguém lembra de um amigo ou parente que tenha ido muito feliz às urnas no primeiro domingo de outubro? Quem foi de Heloísa ou Cristóvam no primeiro turno agora vai ter que se decidir por um dos dois lados. Pois, para muitos desses, mais cômodo teria sido uma solução já no primeiro turno. Agora, o botãozinho branco da urna vai parecer uma tentação.
Muitos brasileiros que optarem por uma das duas candidaturas apresentadas pela urna no segundo turno estarão, na verdade, votando contra o outro candidato. Um voto pelo não. Quando chega um momento como esse, é sempre bom pensar em onde foi parar o nosso sistema político. Onde foi parar a representatividade de nossa democracia. Onde foi parar o prazer de votar.
O primeiro debate do segundo turno deve ter agradado quem já escolheu a sua torcida. Muita briga, muito desaforo, muita ofensa. Esse negócio de soluções para o país, de busca de alternativas, isso aí é papo para eleitor nórdico, daqueles que ainda se preocupam em votar. Depois, um dos dois lados ganha e aparecem as surpresas. Ou alguém esperava o tipo de reforma enviado pelo Lula ao Congresso em 2003?
O tempo é este mesmo, de luta política por si. Uma luta quase sangrenta pelo poder. De um lado, um Lula quase só, mas ainda a bordo de enorme popularidade, tenta manter o PT no poder depois de todos os escândalos de corrupção. Do outro, um PSDB que cola os cacos e tenta retomar o projeto de poder interrompido pela fulminante vitória de Lula em 2002.
Os brasileiros mereciam um pouco mais. E vão ter que esperar alguns anos por um debate que tenha mais a ver com o dia-a-dia de cada um. Por enquanto, o jogo é só para as torcidas organizadas, dessas que gostam de brigar nos estádios. Quem sabe o próximo encante mais gente nas arquibancadas.
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