Na verdade, já era meio pedra cantada. Desde que foi formada, a aliança entre o PT e o PMDB para a eleição de Dilma Rousseff é um dos principais alvos da observação dos analistas políticos pela possibilidade de faíscas que poderia provocar. Aqui mesmo, foi tema de duas colunas no passado. Ainda antes da posse de Dilma, comentamos o tema quando o núcleo do governo de transição foi formado apenas pelos petistas Antônio Palocci, José Eduardo Cardozo e José Eduardo Dutra. Na ocasião, os peemedebistas, enciumados, batizaram o trio de Três Porquinhos. E Dilma, numa tirada hábil e bem-humorada, incorporou o apelido. Na época, inverti o apelido chamando a bancada peemedebista de 79 porquinhos e alertando para os problemas que eles ainda poderiam provocar ao governo. Depois, mal começado o governo, o PMDB voltou a por as asinhas de fora e estabelecemos aqui neste espaço uma comparação da convivência entre petistas e peemedebistas com o filme Inimigo Meu, de Wolfgang Petersen.
O leitor poderá perguntar: Ora, o que há de diferente no caso de Dilma, já que o PMDB esteve em todos os governos desde o fim da ditadura militar?
O que há de diferente é que esta é a primeira vez, desde a união com o PFL para derrubar a ditadura e eleger Tancredo Neves, que o PMDB faz parte da aliança que elegeu um presidente. Em todas as vezes anteriores, o partido dividiu-se nas eleições e só aderiu aos governos que apoiou depois. Em 1989 e em 1994, o PMDB teve candidato próprio à Presidência, Ulysses Guimarães e Orestes Quércia. Do governo Collor, o PMDB não fez parte. Do primeiro governo FHC, aderiu depois. Em 1998, na reeleição de Fernando Henrique, estava tão dividido que nem apoiou o então presidente nem conseguiu lançar candidato próprio: simplesmente não participou da eleição presidencial. Em 2002, estava oficialmente na chapa derrotada de José Serra. Em 2006, a regra da verticalização fez de novo o partido não apoiar ninguém: pela regra, depois derrubada, se o PMDB apoiasse Lula, teria que repetir a aliança com o PT nos estados houve uma tentativa de candidatura própria, com o hoje deputado Anthony Garotinho, que na época estava no partido, Germano Rigotto ou Pedro Simon.
Assim, em todos os momentos em que aderiu, o PMDB entrou no governo depois, o que diminuiu o peso da sua influência. No caso de Dilma, entrou de primeira, sem as divisões de antes, com o vice-presidente Michel Temer.
Era claro, em primeiro lugar, que o partido exigiria um grau de protagonismo proporcional ao seu tamanho na coligação. Primeiro motivo das rusgas com o PT. A segunda razão torna as coisas mais complicadas. O PMDB cresceu e se tornou o maior partido do país criando situações em que os governos precisavam do seu apoio por conta do seu tamanho, especialmente no Congresso, onde sempre foi muito grande. Assim, era importante para o PMDB criar dificuldade para vender facilidade. Para obter o que queria em troca do apoio nas votações de interesse do governo, sempre foi interessante para o PMDB manter o país numa certa crise política permanente: uma crise nem tão forte para derrubar governos, mas de tamanho suficiente para manter os governos preocupados. De vez em quando, em determinadas votações, era conveniente dar algum susto no governo para que, em seguida, o presidente de plantão corresse para renegociar as coisas nos termos que o PMDB queria.
Assim, por esse comportamento anterior, era evidente que Dilma iria pagar um preço pela adesão já de saída com o PMDB. O que se estabelecia de contraponto é que, de fato dentro do governo, o PMDB talvez pudesse compensar seu comportamento com um grau de responsabilidade maior do que nas vezes anteriores.
Neste momento, o PMDB deu dois sinais totalmente diferentes ao governo. No primeiro teste, na votação do salário mínimo, foi absolutamente fiel à orientação de Dilma. Mais fiel que o próprio PT. E agora, na votação do Código Florestal, foi quase que absolutamente infiel à ordem de Dilma. Somente o deputado capixaba Camilo Cola votou na ocasião com o governo.
O que fica claro após esses dois episódios é que Dilma terá sempre uma relação delicada e imprevisível com o PMDB. E que terá que rever a forma de lidar. A conversa de Antônio Palocci, ministro da Casa Civil, com o vice-presidente Michel Temer, antes da votação do Código Florestal, foi o alerta. Palocci tinha recebido uma ordem expressa de Dilma para jogar duro com o PMDB. E ele liga para Temer e diz então que os ministros peemedebistas tinham de orientar o voto no sentido do que queria o governo ou, do contrário, seriam demitidos. Temer reagiu de pronto: disse que os próprios peemedebistas entregariam seus cargos porque o partido (esse trecho Temer nega, embora testemunhas o confirmem) não fazia questão desses ministeriozinhos de merda.
Dilma terá de entender que não poderá tratar os peemedebistas de seu governo como se fosse chefe deles. O partido não se submeterá a essa subordinação, e deixou isso muito claro. Por outro lado, os peemedebistas também não rasgam dinheiro. Não irão abandonar os postos no governo que lhes garantem poder e otras cositas más. O fato, porém, é que, muitas vezes, em vez de chefe, Dilma será muito mais refém dos peemedebistas e dos seus interesses.
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