Marcos Magalhães*
Quando ele disse “tremei poluidores, tremei”, muita gente em Brasília estranhou. Os coletinhos sobre a camisa fizeram a alegria dos cartunistas, mas pareciam fora de foco na capital do país. A temperatura subiu quando ele disse que, se permitissem, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, plantaria soja até nos Andes. Para completar, escolheu o bolero como o ritmo para bailar com Dilma Rousseff, ministra da casa Civil. “São dois pra lá, dois pra cá”, definiu o já ministro do Meio Ambiente. “Duas licenças, dois parques ambientais”.
Para quem anda acostumado com a sisudez do poder, Carlos Minc soa como um estranho no ninho. O humor anda restrito aos improvisos nem sempre de bom gosto encenados no Palácio do Planalto. Tanto que as declarações do novo ministro desconcertaram os que têm o hábito de interpretar ao pé da letra as frases de quem está no poder. Só por isso, Minc já é novidade. Tremei, mentes retilíneas. E relaxai, senhores ruralistas, pois há muito de ironia na imagem da plantação de soja nas montanhas dos Andes. A referência a João Bosco e Aldir Blanc parece a mais promissora: ao que parece, o novo ministro quer mesmo contracenar com Dilma um dois pra lá, dois pra cá.
Entre os que acompanham o dia-a-dia de Brasília, já houve quem previsse que Minc nem sequer assumiria o ministério, por causa de suas declarações. Também houve quem atribuísse as frases improváveis do ex-secretário fluminense de Meio Ambiente a uma irresistível atração por câmeras e gravadores. Alguns outros simplesmente não gostaram do tom brincalhão do novo ministro. E quase todos levantaram dúvidas a respeito da sua capacidade de enfrentar as mesmas pressões que levaram Marina Silva de volta para o Senado.
Agora que as fotos da posse do ministro já foram publicadas por todos os jornais e circularam pelo mundo, o ceticismo quanto à oficialização da indicação de Minc cederá lugar ao permanente acompanhamento de sua gestão. Até aqui, em matéria de estilo, ele já mostrou que tem preparo no quesito originalidade. E Brasília anda mesmo precisando de idéias originais nesses tempos em que o presidente da República gosta de se derramar em elogios às idéias de generais que já ocuparam o seu lugar. A partir de agora, porém, existe pela frente uma longa e difícil tarefa de colocar em prática uma política ambiental coerente e ousada.
Foi a própria ex-ministra que definiu como pífia a gestão ambiental desde o início do segundo mandato do presidente Lula. Mesmo assim, a saída dela da equipe ministerial ganhou manchetes em todo o mundo. Menos, talvez, pelo que ela fez do que pelo que ela não deixou ser feito. Aos olhos de ambientalistas espalhados pelo planeta, a Amazônia ficou mais frágil depois da saída de Marina. Terá mesmo ficado? A pergunta agora está no colo do novo ministro.
Minc terá de decifrar rapidamente os enigmáticos rituais de Brasília. Conhecerá por dentro a máquina burocrática ao mesmo tempo em que precisará responder tanto aos questionamentos dos ambientalistas quanto aos apelos da chamada ala desenvolvimentista do governo por maior rapidez na liberação de licenças ambientais para os grandes projetos de infra-estrutura a serem implantados até 2010, entre os quais os de novas hidrelétricas na Amazônia. As tarefas não são fáceis.
Os próximos resultados de levantamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), como já adiantou o próprio ministro, motivarão preocupações ainda maiores em relação ao desmatamento na Amazônia. Conter e reduzir o desmatamento exigirá um enorme esforço político e administrativo. Mas tudo será parecido com enxugar gelo se não houver alguma perspectiva nova para quem vive na Amazônia e ainda tira seu sustento da derrubada da floresta.
É aqui onde Minc terá de ser mais criativo. Não só ele, aliás, como todo o governo. Porque sem estabelecer novas alternativas para a região, sem desenhar um novo modelo de desenvolvimento que privilegie a conservação da floresta, tudo que se pode conseguir é adiar a pressão pelo desmatamento.
O Brasil vive um momento raro. De um lado será cada vez mais pressionado por entidades ambientalistas internacionais. De outro, experimenta a possibilidade única de redirecionar o desenvolvimento da Amazônia. A maior aliada nesse processo pode ser a ciência. Mais do que em qualquer outro momento na história do país a comunidade científica terá pela frente uma tão boa oportunidade de renovar o perfil da região.
Oportunidade de estabelecer um perfil que privilegie, por exemplo, o uso sensato da biodiversidade amazônica, na produção de novos medicamentos e cosméticos – produtos capazes de portar a etiqueta do desenvolvimento sustentável da região e que seriam provavelmente muito bem aceitos em outros países. Para que tudo isso ocorra, será necessária uma inédita aproximação entre o governo e a comunidade acadêmica que tem se dedicado a estudar a região. A criatividade, diriam os saudosos de 1968, precisa chegar ao poder.
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