As reações ao ataque covarde contra o acampamento Marisa Letícia podem estar revelando algo preocupante. A militância reagir com declarações de guerra é natural. Estranho é quando o mesmo começa a partir de pessoas com mais experiência e responsabilidade.
Consultado certa vez sobre a possibilidade do PT participar de uma frente, Zé Dirceu, construtor da sigla e arquiteto de sua chegada ao poder, afirmou que o partido “já era uma frente” e que, portanto, não teria como compor outra frente.
Lula em São Bernardo foi meticuloso. Não levantou as mãos de Manuela e Boulos por acaso. Não deixou de levantar a mão de um petista por esquecimento. Classificou as candidaturas do PCdoB e do Psol como “promessas”. Disse que no PT “quem quiser dirigir o partido vai ter que trabalhar mais que ele.” Deixou aberto o vazio do seu lugar.
Luis Inácio dirige e une o maior partido de esquerda do país. Pelo tamanho e importância, os movimentos do PT polarizam toda esquerda. É correta, justa e indiscutível a centralidade da luta pela liberdade do ex-presidente. Entretanto, a tática de levar sua candidatura “até o final” embute questões mais profundas.
Dirigentes da sigla falam abertamente que não existe um substituto natural no partido. Qualquer nome especulado como plano B é imediatamente rechaçado sob o argumento de traição. “Não podemos abandonar Lula!” Será apenas isto?
Não admitem nenhuma alternativa interna, muito menos de fora. Haddad conversou com Ciro? Tiros no Ciro e no Haddad. O governador Rui Costa defendeu um candidato de fora? Tiros no baiano. Jacques Wagner defendeu o mesmo? Tiros no ex-ministro.
Os quadros mais tarimbados têm noção da defensiva estratégica e da necessidade de sair do isolamento. A questão é como sair das cordas mantendo a unidade do “partido-frente”. Serão assolados pelo fantasma da divisão, que pode acontecer até mesmo com um plano B “prata da casa”. O fato é que só Lula une.
Não é fantasia imaginar que tendências do partido, se decidido o apoio a um candidato de fora, desertem e declarem apoio à Boulos ou Manuela, por exemplo. O Psol se aproximou do Lulismo por compromisso democrático, mas sonha todo dia com seu espólio. Manuela estabeleceu forte diálogo com a juventude Lulista.
Este quadro faz o partido mais importante da esquerda se fechar, radicalizar o discurso para manter seu território. É pouco provável que Lula saia da cadeia antes das eleições, infelizmente. É o único capaz de conduzir a legenda sem questionamentos.
Este paradoxo vai perseguir a esquerda brasileira nos próximos meses. A situação do Partido dos Trabalhadores exigirá compreensão e paciência. Lula merece toda nossa lealdade.
Se nada de novo acontecer, o mais provável é que prossigam na lógica de Lula até o fim, mesmo sabendo que o registro será cassado. Estão aprisionados neste caminho, pela convicção na força eleitoral de Lula e/ou pela sobrevivência partidária.
É pouco provável que outra agremiação, sabendo que o registro da candidatura dependerá de um milagre, passe um cheque em branco e entre neste barco. Uma alternativa petista pode até ir ao segundo turno, mas as chances de vitória são pequenas.
É aí que podem começar os problemas e a autodestruição da esquerda. Os que não seguirem a improvável candidatura do ex-presidente serão “traidores”? Se qualquer alternativa hoje é traição, será diferente em agosto? Haverá respeito quando a disputa se colocar de fato?
Para tirar Lula da prisão uma vitória do campo progressista é essencial. Neste ponto reside uma contradição objetiva entre as táticas partidárias, preocupadas com a sobrevivência das siglas, com uma suposta disputa de hegemonia no “pós-Lula”, e a necessidade de unidade e ampliação imposta pela dura realidade.
Na atual conjuntura, qual a melhor forma de ganhar? Oferecer o peito aberto ao inimigo numa guerra assimétrica? Radicalizar ou ampliar? Fragmentada, a esquerda irá ao segundo turno?
Os sinais preocupam. Os ecos dos tiros de Curitiba não são nada bons.
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