Ele esteve aqui na Flip, mas eu já o conhecia de texto há muitos anos, aí, não sei, de qualquer forma sempre volto aos escritores de Nova York, Truman Capote, Mailer, Below, Roth, Gore Vidal, J.D.Salinger, Dotty Parker, Tom Wolfe; de todos estes, Talese me parece o mais humilde, mais modesto, um trabalhador incansável, tremendo.OK. Ninguém atinge a sua faixa (dele) de imposto de renda sem produzir, no mínimo, mil palavras por dia. Andei lendo Fama & Anonimato, reedição da Companhia das Letras de 2004, posfácio de Humberto Werneck.
Parafraseando Júlio Cortázar, há escritores que vencem por nocaute, outros por pontos. Os primeiros são ficcionistas (sobretudo contistas), os outros são jornalistas. Gay Talese, um ítalo-americano de 77 anos, o sujeito que praticamente inventou o “new-jornalism”, traduzido por aqui como “jornalismo literário”, é daqueles que vencem por pontos. Muitos. O impacto do seu texto se dá por “efeito acumulado” – por uma minuciosa, exaustiva, vertiginosa acumulação de dados… Mas falando em jornalismo eu queria lembrar duas ou três coisas, escriba de trinta anos que sou: olhe, se você quiser ficar por dentro do melhor texto, do grande livro do momento, pergunte a um jornalista! São livros que, não raro, passam totalmente despercebidos do leitor comum.
Aliás, Nova York é uma cidade de coisas que passam despercebidas é um texto do livro, mas não o melhor, a não ser quando ele escreve: “Nova York é uma cidade com duzentos vendedores de castanhas, 300 mil pombos e seiscentas estátuas e monumentos. Quando o cavalo da estátua eqüestre de um general está com as duas patas dianteiras levantadas, isso significa que o general morreu no campo de batalha; quando uma das patas dianteiras está no chão, o general morreu de ferimentos recebidos em combate; quando todas as patas estão no chão, é provável que o general tenha morrido na cama”. E podem apostar que ele não inventou isto, é tudo verdade!
Outra coisa que eu queria falar dos jornalistas, agora parafraseando Rubem Fonseca em “Corações Solitários”: o público leitor não escreve cartas, de forma que, na redação, a gente inventa todas. Assim, este recado é para o Miguel do Rosário (blog Óleo do Diabo). Tomo a mim mesma como testemunha: ali por 1988, lancei a coluna “Coração de Plantão” na Folha da Tarde, onde supostamente eu atenderia um possível correio sentimental dos leitores. Era pura esculhambação. Jornalismo literário só pode ser isto! No começo, inventamos todas as cartas, inventamos leitores – verdadeiros personagens! – seus grilos, paixonites, dores de corno e outras piorréias & respectivas respostas no melhor estilo canalha.
Outro dos meus escritores de Nova York foi Paulo Francis, claro. Others voices, other rooms. Mas minha vida já começa a ficar como a casa de um homem empobrecido: salões e salões desabitados, vazios… Então lembro a última inscrição do imperador Adriano: Natura déficit, fortuna mutatur et deus omnia cernit (A natureza nos trai, a sorte muda e lá do alto um deus vê todas as coisas.) E não faz porra nenhuma.
(Próxima coluna tem mais Gay Talese e jornalismo literário.)
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