Osvaldo Martins Rizzo*
Com roteiro e direção do genial Jean-Luc Godard, o político filme “Alphaville” – uma verdadeira obra de arte do Glauber Rocha francês – relata a saga de um agente secreto (personagem interpretado pelo excelente ator russo Akim Tamiroff) que, após cruzar o espaço, chega a um fictício lugar chamado Alphaville, onde a sociedade vive sob a tirania do supercomputador “Alpha 60”, incumbido de fazer desaparecer todos os opositores do governo.
Como de tempos em tempos a vida parece querer imitar a arte, os habitantes dos atuais loteamentos de acesso controlado (dos quais os Alphavilles são os mais conhecidos), pessoas pertencentes à classe média e alta que, na maioria, acintosamente desapoiam o atual governo federal, correm o sério risco de verem seus privilegiados habitats desaparecem em breve.
Quando entrar em vigência a nova legislação de parcelamento do solo para fins urbanos, poderá ser profundamente alterada a rotina burguesa desses condomínios usados como encastelados refúgios da minoritária parcela mais rica da população brasileira.
Após mais de sete anos de tramitação na comissão especialmente criada na Câmara dos Deputados para debater a questão, o texto do projeto que modifica as regras para parcelar o solo urbano está concluído, e deverá ser posto em votação no plenário tão logo sejam abertos os trabalhos legislativos deste ano.
Segundo bem ensina o experiente ex-deputado federal Delfim Netto, comumente, os resultados das votações no plenário são lentamente construídos nas reuniões das comissões, havendo pouca chance de modificações, e é insignificante a probabilidade de um discurso na tribuna inverter a tendência de uma votação previamente encaminhada através das comissões.
Assim, provavelmente, o projeto será aprovado na forma como está.
Em se confirmando tal fato, os residenciais horizontais do tipo dos Alphavilles ou deixarão de ser fechados ou terão que cumprir as novas e retroativas regras dos condomínios urbanísticos. Para manter controlado o acesso, os proprietários terão de adquirir e destinar ao uso público um terreno localizado fora do perímetro do condomínio, numa extensão de no mínimo 15% de sua área total.
Em certos casos, a alternativa é doar um valor equivalente em dinheiro (um novo tipo de imposto indireto cobrado sobre a propriedade) a um fundo municipal de habitação popular, como já é feito em Goiânia (GO), por exemplo.
Para os deputados autores do projeto, o novo regulamento é uma forma de democratizar o acesso à terra e obrigar os proprietários a devolverem ao poder público uma parcela dos ganhos decorrentes da valorização dos imóveis devido aos gastos públicos com a infra-estrutura do entorno.
Na mesma época em que se iniciava a discussão em Brasília da política urbana, competentes técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) alertavam em artigo que este milênio poderia assistir ao renascimento dos tributos incidentes sobre a propriedade imobiliária que prevaleceram em boa parte do século passado, pois cresceu o desgaste político causado pelo aumento dos impostos sobre o consumo, redutores da renda real das camadas populares da sociedade.
Esse fato também serve para mostrar a incompetência das atuais lideranças da classe média brasileira na defesa dos seus interesses. Formados na época da ditadura militar, quando bastava acertar com o general de plantão as condições do acordo, esses líderes são ineptos para lidar com a democrática práxis da articulação política na busca de entendimentos consensuais entre estratos sociais. Durante o prolongado período de tramitação do projeto de lei, foram poucas as intervenções desses envelhecidos representantes se opondo aos argumentos dos das classes populares que dominaram os debates.
* Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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