Cláudio Versiani*, de Nova York
No dia 4 de maio de 1970, a Guarda Nacional entrou no campus da Universidade de Kent, em Ohio, para reprimir uma manifestação pacífica contra a guerra do Vietnã. Os soldados dispararam suas armas contra os estudantes por 13 segundos. O saldo foi trágico: quatro mortos e nove feridos, dos quais um ficou paralítico. O episódio foi batizado de “o massacre de Kent”. O acontecimento deu início a uma greve estudantil nacional e gerou um sentimento de revolta no país, que nunca mais se esqueceu daquele dia.
No dia 15 de maio, após ver as fotos dos mortos na revista Life, Neil Young compôs “Ohio”. O grupo Crosby, Still, Nash & Young entrou no estúdio e gravou a música, que logo se transformou num hino anti-guerra. O refrão “4 dead in Ohio” virou palavra de ordem na América nos tempos de Richard Nixon.
Trinta e seis anos depois, o velho canadense está de volta às paradas de sucesso, com o disco Living with war. Lançado em maio, é todo ele dedicado à guerra do Iraque e ao seu principal mentor, George W. Bush. Uma das canções tem o título “Let’s impeach the president”. E começa assim mesmo: “Vamos impichar o presidente por mentir e por levar nosso país à guerra. Abusando do poder que nós lhe concedemos e jogando todo o nosso dinheiro fora”.
Nos anos 60 e 70, a esperança movia a juventude e o mundo. Nixon governou o império de 69 a 74 até sofrer o impeachment, ou ser impichado, como alguns dizem aí no Brasil. A guerra do Vietnã assustava os jovens, o alistamento era compulsório. Hoje, a guerra do Iraque não assusta ninguém ou quase ninguém. A classe média escapou. Como disse o senador e ex-candidato presidencial John Kerry, ou você estuda ou acaba atolado no Iraque. O comentário do senador foi infeliz, mas o sentido está correto. Os soldados americanos no Iraque são, em grande parte, latinos, negros, imigrantes, gente que tenta fazer das Forças Armadas trampolim para uma vida melhor. Ou seja, aproveita-se das vantagens que o governo oferece: salário, bônus, educação ou mesmo regularização da situação ilegal.
Neil Young resumiu o sentimento de mais da metade do país. Foi o que o moveu a se posicionar contra a política de guerra do governo Bush: “Eu estava esperando alguém se manifestar, algum jovem cantor de 18 a 22 anos que escrevesse essas canções e se rebelasse. Eu esperei um longo tempo. Então, eu decidi que quem deveria fazer isso era a geração dos anos 60. Nós ainda estamos por aqui”.
Mas ele não é o único a protestar. Os novos músicos não possuem os canais que os velhos de 60 têm. Vários artistas jovens dedicaram músicas às aventuras bélicas de Bush.
A banda Pearl Jam, que já tinha assustado a platéia de um show em Denver em 2003, lançou recentemente World wide suicide, em que fala de um mundo de dor do qual a guerra tomou conta. Em tempo: em 2003, o vocalista Eddie Vedder fincou uma máscara de Bush no pedestal do microfone e depois a jogou no chão.
O conjunto Green Day lançou American idiot em 2004 e fez campanha contra o Bush nos shows e na mídia. O disco vendeu 5 milhões de cópias. Como se percebe, fez sucesso.
O cantor Michael Stipe, do REM, participou e promoveu em 2006 o concerto “Bring’em home” (traga-os para casa – apelo para chamar os soldados de volta ). O evento arrecadou fundos para uma associação de veteranos da guerra do Iraque.
As Dixie Chicks disseram em Londres, também em 2003, que estavam envergonhadas por serem do Texas, mesmo estado do presidente. Linda Ronstadt emendou e disse que estava envergonhada mesmo era de ser norte-americana. Kanye West disse que Bush não se importava com os negros e pobres na época do furacão Katrina.
Ben Harper protestou cantando…
“You don’t fight for us
but expect us to die for you
You have no sympathy for us
still I cry for you
You may kill the revolutionary
but the revolution you can never bury”
Bruce Springsteen atacou o governo no vergonhoso episódio do furacão. Ele dedicou uma de suas músicas sobre o acontecimento ao presidente Bush e sua negligência para com o povo de Nova Orleans.
Mick Jagger e Keith Richards cantaram em “Sweet neo com” (con significa conservador, direita mesmo):
“You call yourself a Christian
I think that you’re a hypocrite
You say you are a patriot
I think that you’re a crock of shit”
Sem tradução, please. Eles disseram que a música não era para George. Então tá.
Paul Simon, outro velho, escreveu “Wartime prayers”, música do álbum Surprise. Ouça em http://www.paulsimon.com/.
O guitarrista Robert Cray gravou um belo clip para o site American friends service commitee. A sua música “Twenty” conta a história de um jovem soldado que começa a questionar sua missão no Iraque, mas morre antes de voltar para casa. O vídeo pode ser visto aqui.
Neil Young sobreviveu a um aneurisma cerebral em 2005, e se declara um eterno otimista. “As mudanças não vão acontecer amanhã, talvez depois de amanhã. Nós somos a maioria silenciosa e não estamos fazendo nada. Mas existem mais dos nossos do que dos deles e temos que fazer alguma coisa”. E acrescentou dizendo que uma onda anti-Bush deveria vir em algum momento.
O comentário premonitório foi feito antes das eleições de novembro. E impeachment é uma palavra que voltou a pipocar na imprensa americana e janeiro ainda não chegou.
Não bastasse as letras serem uma porrada, como diria o presidente, as músicas são puro rock’roll. Já não se fazem anos como os 60 e 70 e muito menos músicos como os daquela época.
Por falar nisso, Bob Dylan, é homenageado no disco de Young, na cancão “Flags of Freedom”, uma clara referência ao papa da canção de protesto. Só faltou falar de John Lennon, o maior de todos.
PS : Eu assisti a um show de Neil Young & Cia, ou Crosby, Still e Nash. A gente deve sempre escutar os mais velhos. Paulo Pestana tinha razão, Neil Young é o melhor dos quatro. Quem quiser conferir no site oficial do canadense, pode clicar aqui.
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