Celso Lungaretti*
Termina de forma melancólica o golpe hondurenho.
O presidente legítimo Manuel Zelaya foi afastado do poder de forma discutível e sofreu uma deportação forçada que se constituiu em indiscutível arbitrariedade.
O Congresso Nacional e a Suprema Corte alegaram que Zelaya insistiu em realizar um plebiscito ilegal.
No entanto, o procedimento adotado pelos comandantes militares, ao expulsá-lo do país, privou-o do direito de defender o mandato conquistado nas urnas.
O único desfecho realmente democrático seria sua volta a Honduras, como presidente provisoriamente impedido enquanto respondesse às acusações.
Se inocentado, terminaria normalmente seu período de governo (talvez até com uma prorrogação para compensar o período em que esteve privado do poder); se condenado, seria destituído como manda o figurino e não de acordo com a lei do mais forte.
Mas, OEA e ONU fracassaram miseravelmente em seu papel. Cabia-lhes, acima de tudo, impedir que o golpe de Estado saísse vitorioso, abrindo um péssimo precedente neste século 21. Agora, em circunstâncias semelhantes, qualquer governo ilegítimo poderá reivindicar a mesma condescendência por parte das organizações internacionais.
O péssimo desfecho foi facilitado pela falta de grandeza histórica (e, por que não dizer, de coragem pessoal) de Zelaya.
Presidente de verdade não se deixa embarcar para o exterior em pijamas, passivamente. É inimaginável que um Getúlio Vargas ou um Salvador Allende aceitassem tal humilhação.
Depois, quando liderou uma carreata até o território hondurenho, jamais deveria ter refugado: estava em seu país e, seguindo adiante, obrigaria os inimigos a prendê-lo e julgá-lo, o que não lhes convinha.
O caso ganharia tal dramaticidade que a OEA, a ONU e os poderes regionais não poderiam continuar apenas emitindo declarações platônicas. Teriam de fazer qualquer coisa.
É claro que Zelaya correria risco de cumprir uma condenação e até de sofrer um atentado. Mas quem assume grandes responsabilidades deve se mostrar à altura delas, em quaisquer circunstâncias.
Ficou claro que ele esperava ser recebido pelo povo em triunfo, não lhe ocorrendo que soldados armados inibem civis desarmados. Quando o cenário idealizado ruiu por terra, faltava-lhe um plano B.
Mesmo assim, repetiu a mesmíssima aposta ao se enfiar na embaixada brasileira. Sua presença na fronteira não foi suficiente para provocar um levante popular? Então, a presença na capital o seria…
Não houve o levante, nem os inimigos foram tão tolos a ponto de fornecer motivo para uma intervenção estrangeira. Incomodaram-no um pouco, mas o deixaram ficar mofando na embaixada.
De quebra, abriram negociações apenas para ganhar tempo, apostando em que a realização das novas eleições disporia o quadro político em seu favor.
No começo de outubro, eu advertia:
“Se estivesse no lugar de Zelaya, eu fincaria pé no direito de participar da campanha eleitoral livremente, nas ruas e nas praças (…). Pois é exatamente isto que os golpistas mais estão tentando evitar.
“A restituição do poder poderá até ficar para depois, caso não haja maneira nenhuma de impô-la aos golpistas.
“Mas, mantido à parte da disputa eleitoral, já fora do foco principal do noticiário (…), Zelaya virará carta fora do baralho.”
Dito e feito: foi mesmo um grave erro ele priorizar a restituição, ao invés das eleições. Enquanto mirava o passado, ia-se desenhando um futuro diferente para Honduras.
E a permanência na embaixada brasileira, ao invés de impulsionar sua luta, acabou tendo efeito contrário: virou uma hibernação.
Tão logo se confirmou a vitória de Porfirio Lobo, passou a ser ele o verdadeiro presidente. Zelaya se tornou apenas uma aresta a aparar.
Espertamente, o Ministério Público acusou os comandantes militares pela expulsão de Zelaya e a Suprema Corte abriu processo. Deverá dar em nada, ou quase nada, mas serve para salvar as aparências.
Lobo será empossado na próxima 5ª feira (28) e fez muitos acenos amistosos para Zelaya, inclusive oferecendo-lhe uma vaga num conselho assessor que pretende criar, reunindo os antigos presidentes.
Foi mais um gesto para inglês ver, já que Lobo convidou também o rival Roberto Micheletti. Integrar um colegiado desses ao lado do presidente golpista seria a humilhação suprema para Zelaya.
Este preferiu aceitar outra oferta de Lobo: um salvo-conduto para deixar Honduras, rumo à República Dominicana, onde será recebido como hóspede de honra (e não asilado).
“Este acordo me permite manter minha dignidade, e a posição que me foi confiada pelo povo”, afirmou, manifestando sua disposição de contribuir com Lobo para a “reconciliação nacional”.
Este exílio voluntário, entretanto, só fará sentido até a poeira baixar. O objetivo de médio prazo de Zelaya deve (ou deveria) ser o de se posicionar como um dos líderes da oposição a Lobo, na esperança de voltar ao poder como seu sucessor.
Já está mostrando bom senso, ao desistir de consertar situações pretéritas. Por aí, não chegaria em lugar nenhum.
Fez os movimentos errados, adotando uma postura excessivamente cautelosa quando só o destemor o conduziria à vitória; e acabou inapelavelmente derrotado.
Agora, só lhe resta juntar os cacos e tratar de ter melhor desempenho na próxima partida.
*Jornalista e escritor, mantém os blogues http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/ e http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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