O Palácio do Planalto já tinha ontem (19) informações de que aparecerão no sábado (21) as gravações que o PM João Dias Ferreira diz ter contra o ministro do Esporte, Orlando Silva. Ao que tudo indica, as gravações estão com a revista Veja, que vai divulgá-las. Ao que parece, não há conversas com o próprio Orlando Silva, o que é avaliado com alívio. São conversas com outras pessoas. Se Orlando Silva é diretamente mencionado nas conversas, o Planalto ainda não sabe. E, pior ainda, não sabe também de que forma ele é mencionado. Está aí o tamanho da encrenca. Até agora, Orlando Silva tem sido veemente ao negar as acusações que Dias fez contra ele, e até agora tem razão quanto ao fato de que são apenas acusações, não apareceram provas. O problema agora está no segundo passo: diante das provas, Orlando Silva aguenta ou não aguenta?
Até aqui, a presidenta Dilma lidou com o caso no mesmo padrão que utilizou nas outras denúncias que surgiram. Primeiro, ela espera que o ministro se defenda. E quer que ele se exponha mesmo na sua argumentação. Quem se encolhe achando que pode submergir e esperar a onda passar, dança com a presidenta. O fato de Orlando Silva ter ido duas vezes ao Congresso esta semana para se expor ao questionamento dos parlamentares foi muito bem recebido. E como seu delator usou como estratégia esperar o próximo fim de semana para detonar sua próxima bomba, até aqui o ministro do Esporte saiu-se bem. Sem nada mais concreto, a oposição esquivou-se de questionar Orlando Silva. Resta saber, porém, se o ministro não está no papel do otimista da piada, aquele que salta do vigésimo andar e, ao passar pelo décimo, comenta: “Até aqui, tudo bem”.
É preciso, porém, que se divida o imbroglio em que se meteu Orlando Silva em duas partes. Contra ele, há uma acusação muito grave: a de que recebeu diretamente dinheiro de corrupção, desviado de programas do governo, na garagem do ministério. Temos aí uma acusação grave e direta. Sobre ela, só há por enquanto a afirmação de João Dias Ferreira. É disso que Orlando Silva se safa. Há, porém, uma segunda parte do rolo da qual ele não se safou, e que desagrada imensamente a Dilma: a absoluta falta de controle dos ministérios com os convênios que vem firmando com Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Porque, no caso, basta usar como fonte as próprias declarações de Orlando Silva sobre as ONGs de João Dias Ferreira. Como tem dito o ministro e todos os parlamentares governistas que saem em defesa dele, o kung fu que João Dias praticava era cheio de golpes baixos. As denúncias de rolos nos convênios com as organizações ligadas ao PM remontam ainda do tempo em que o hoje governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, era o ministro do Esporte. Foram alvo de uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal, a Operação Shaolin. Ora, se João Dias Ferreira é bandido, se as suas ONGs são um festival de picaretagem, nas palavras do próprio ministro Orlando Silva, por que é que foram repassados alguns milhões a elas? Por que é que há convênios firmados mesmo depois de surgidas as primeiras denúncias?
E outros casos pipocam não apenas no Ministério do Esporte. O Congresso em Foco mesmo acabou de publicar que do Ministério do Turismo escoaram R$ 80 milhões em convênios para festas, rodeios, escolas de samba, bailes de carnaval, etc.
Neste ponto, lá da África do Sul, Dilma deu um puxaozinho de orelha em Orlando Silva. Numa entrevista, ela lembrou que no dia 16 de setembro baixou um decreto tornando mais rígidos os critérios para a formulação de convênios dos ministérios com ONGs. E completou dizendo que desde o primeiro dia de seu governo vem reforçando a recomendação de cuidado absoluto com os repasses de dinheiro público. Aí, nesse ponto, houve negligência do Ministério do Esporte. Mesmo que Orlando Silva argumente agora que este ano não vai firmar convênio nenhum com ONGs e que tem se empenhado em recuperar o dinheiro desviado, o fato é que o dinheiro foi desviado. Em sua defesa, não foi apenas na sua gestão, nem apenas no seu ministério.
Essa relação entre governos e ONGs, é bom que se diga, não foi invenção dos governos do PT. Foi invenção do governo Fernando Henrique Cardoso. Era o ponto principal da lógica do programa Comunidade Solidária, idealizado por Ruth Cardoso. Em princípio, é uma boa ideia: se o governo não tem estrutura para tocar tudo sozinho na área social, que faça parcerias com gente bem intencionada na sociedade civil. Mas aí é que está o problema. Como diz o ditado, de boas intenções, o inferno está cheio. Era preciso haver mecanismos eficientes de fiscalização para separar quem realmente é honesto de quem está unicamente interessado na teta gorda que o governo tornou disponível. E o governo não tem esses mecanismos eficientes de fiscalização. O ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, costuma dizer que para cada milhão entregue a uma ONG o governo teria talvez de gastar outro milhão para montar uma estrutura que tornasse o processo realmente à prova de fraude. Porque é um processo pulverizado: milhares de ONGs, milhares de pequenas verbas que, juntas, causam um buraco imenso nas contas.
De qualquer modo, de parte da CGU, esse ralo vem sendo alvo de preocupação há algum tempo. E sugestões da Controladoria vêm se transformando em regras para tornar mais rigoroso o critério de repasse dos recursos. “São já duas as decisões recentes da presidenta Dilma, que deverão fazer grande diferença para o controle dos recursos transferidos pelo governo federal”, disse ontem Jorge Hage a este colunista. “A primeira, foi em 27 de junho, quando assinou decreto que acabou com o saque na boca do caixa, por parte das prefeituras”, continua. “E a segunda, agora em 16 de setembro, quando estabeleceu regras bem mais duras para a seleção das ONGs, proibindo convênios com ONGs de ‘ficha-suja’, digamos assim, ou que não tenham ao menos três anos de atuação naquela mesma atividade. Veja bem, não são três anos de criada apenas, mas três anos de efetiva experiência no assunto do convenio. Além disso, exige-se agora chamamento público para a escolha da ONG. E mais: exige-se que o próprio ministro assine o convênio; assim, ninguém mais poderá dizer que não sabia do que se passou”. Viu, Orlando Silva: não pode dizer que não sabia.
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