Márcia Denser
Tomando o pulso do leitor – pois, sim, sou capaz de sentir a pulsação do leitor -, percebo que, apesar de ele solicitar esclarecimentos sobre as questões supra e sobretudo quando é atendido (veja-se que esta é a terceira coluna tratando das estratégias de manipulação e dominação!), algo nele se recolhe e encolhe e ele se distrai e enfia a viola no saco e silencia: por quê?
Eu pergunto e instrutivamente eu mesma respondo pelo leitor: que adianta saber tanto, entender tanto, sacar tanto, se ao fim e ao cabo não vai fazer diferença? Se ao fim e ao cabo eles-que-são-mais-fortes-prevalecerão?
Não é isso que você está pensando-sentindo-coçando-a-cabeça e me mandando de passagem para o inferno? A propósito: o sentimento – vejam bem, o sentimento, não o pensamento – de rendição moral também está incluído no pacote de estratégias de dominação, se isto lhes serve de contraprova.
Um leitor e internauta, que assina como Jeferson, me enviou um texto interessantíssimo que enriquece muito esta série estratégica. Entre outras colocações, enfatiza que o neoliberalismo também tem um projeto social: a máxima fragmentação da sociedade*, o que nos autoriza a formular:
. A estratégia da fragmentação
(Em off: quem faz/fez/fará pós-graduação em Artes anda com o saco cheíssimo desse procedimento – fragmentação – cujos apologistas redefinem como categoria estética, e, caso queiramos corrigi-los, nos acusam de paranóicos, teóricos de conspirações inexistentes! Sei… o poder do capeta consiste em negarmos sua existência!)
E este é o Grande Projeto Social do neoliberalismo. Porque manter uma sociedade dividida, em grupos minoritários que não conseguem constituir-se em maioria capaz de questionar a hegemonia em vigor, é a melhor forma de reproduzir o sistema. A base para manter esses grupos isolados entre si ou sujeitos a relações contraditórias é procurar desorientá-los quanto aos seus objetivos comuns, impossibilitando que tais minorias assumam lutas coletivas. A sociedade fragmentada implica uma maioria – até o povo inteiro – que perdeu o rumo da própria causa nacional.
Essa política de desorientação social atua em três níveis: a) a atomização da sociedade em grupos com escasso poder; b) a orientação desses grupos para fins parciais; c) anulação da capacidade negociadora para celebrar pactos, impedindo-se que se crie espaços em que se possam projetar objetivos que vão além de cada grupo, que possam ser compartilhados por todos, dando lugar a acordos e alianças, donde que o fim das ideologias se torna “fato histórico” e não mais “decorrência duma estratégia de manipulação”. Por outro lado, fomenta-se a cultura do naufrágio, do “salve-se quem puder”, que rejeita qualquer solução coletiva.
Agora, retomando o pulso do leitor. Por que eu faço-escrevo-encho-o-saco com tudo isso? Pergunto e respondo instrutivamente: porque me faz bem, meus queridos, faz com que eu me sinta maravilhosamente bem, em paz comigo mesma. Aliás, como eu me sentiria se defendesse o privilégio, louvasse o dinheiro, os ricos etecétera?
Como eu poderia me sentir mobilizando meu talento em defesa do indefensável? Mobilizando por grana ou poder algo que me foi dado como um dom, de graça? Hein? Naturalmente, Fernando Sabino não deu a mínima (acho) quando escreveu a “biografia” da Zélia Cardoso de Mello, mas não é o meu caso… Aliás, casos de heroísmo são terrivelmente ridicularizados pelo pensamento dominante, mas isso é outra história, que fica para a próxima coluna…
* In Tornar Possível o Impossível, Marta Harnecker. Rio, Paz e Terra, 2000.
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