As máscaras que ocultavam as reais intenções estratégicas de Bibi Netanyahu caíram por terra definitivamente com sua decisão de fundir numa lista eleitoral única seu partido, o Likud, com Israel Beitenu, o de extrema direita de Avidgor Lieberman. Essa decisão sinaliza claramente o abandono da solução de dois estados – ao qual Netanyahu em tese aderira, como artimanha política para americano ver – e o advento de um “grande Israel” do Mar Mediterrâneo ao rio Jordão onde os palestinos permanecerão sob ocupação permanente dos militares e colonos na chamada área “C”, a maioria do território, e circunscritos a bantustões urbanos, em cidades como Ramala, Nablus, parte de Hebron, Jericó. Lá, palestinos continuarão exercendo controle administrativo, eximindo os ocupantes de terem que cuidar diretamente do dia a dia de uma população palestina, privada de direitos nacionais, civis e políticos.
Será, na prática, um estado único com uma população privilegiada, os judeus israelenses e uma discriminada e sem direitos civis: os palestinos. Esses divididos em pelo menos quatro categorias com direitos decrescentes: os palestinos com cidadania, os atuais árabes israelenses; os moradores de Jerusalém leste – um confuso limbo; os habitantes dos bantustões urbanos e os moradores da área “C” diretamente ocupada). Os da área “C”, ficarão na pior situação: ocupação militar direta e terras cada vez mais ocupadas pelos assentamentos.
O nome preciso disso é apartheid e, numa recente pesquisa, absolutamente chocante e revoltante para qualquer um que se importe com a história de opressão dos judeus, a maioria da população de Israel aceita esse status de coexistência de um povo com e um povo sem direitos, num mesmo território!
E ainda podemos mencionar a anomalia perigosa do micro estado palestino/islâmico de Gaza, como o Hamas soberano encarnando a resistência.
A curto prazo, a situação política de Bibi Netanyahu é confortável, voa em céu de brigadeiro. Numa competente e implacável chantagem, conseguiu neutralizar qualquer veleidade de Obama de obrigá-lo a congelar os assentamentos e negociar seriamente com a Autoridade Palestina. No caso de Romney, mais que isso: é seu amigo pessoal, cupincha e aliado incondicional. Nas pesquisas eleitorais para as eleições de janeiro de 2013, em Israel, Bibi tem clara vantagem contra esse conglomerado de anões políticos desprezíveis que compõem a oposição israelense. O único político com um mínimo cacoete de estadista, Ehud Olmert – que esteve perto de um acordo com os palestinos –, parece totalmente fora do jogo por seus escândalos de corrupção.
Israel simplesmente não tem nenhuma liderança político minimamente consistente de oposição. A líder trabalhista, a ex-jornalista Shelli Yacimovich, segue a pior tradição do seu partido: esquerda nas questões sociais, mas parecida com a direita na questão palestina. Shaul Mofaz é um lider em extinção. Tzipi Livni, uma loser, uma política de segunda linha. O neófito Lair Lapid, ídolo de TV, um peso pluma, sem coragem de abordar a questão da paz. O único partido decente de Israel, é o Meretz, que deve ter ganhos mas muito pequenos, permanecerá pouco mais que um grupúsculo. A tragédia maior de Israel é que o Jabuti Netanyahu não permanece “na árvore” senão pelo fato de lá estar colocado pela ampla maioria do eleitorado judaico de Israel.
Essa população que se moveu fortemente para a direita por força de dois cataclismas: a imigração de mais de um milhão de judeus da antiga União Soviética com aquele tipo de cultura autoritária, que na terra de origem consagra um Vladimir Putin – amicíssimo de Lieberman – e a tragédia da intifada armada e dos atentados suicidas da década passada que destroçaram o “campo de paz” israelense. Hoje a juventude de Israel está à direita daquela de qualquer outro país democrático no mundo. É uma geração de Le Pens e Bolsonaros.
A oposição israelense talvez se una “in extremis” e uma eventual reeleição de Obama pode, eventualmente, no segundo mandato, criar dificuldades a Bibi, que não ousou, no primeiro. Mas a dois meses dessas eleições antecipadas o quadro é pra lá de sombrio.
Reeleito, Bibi continuará a jogar a carta do Irã para desviar o foco da questão palestina. É fortemente provável que acabe, em 2013, desencadeando a guerra que quase iniciou este ano, contido pelas pressões de Obama e, sobretudo, do próprio establishment de inteligência e defesa de Israel. Mas, se a sua situação tática é bastante confortável – grande poderio militar e tecnológico, situação econômica boa, apogeu da influência do lobby da AIPAC na política norte-americana, divisão e fragilidade entre os palestinos, divisão e conflito em potencial no mundo árabe entre sunitas e xiitas, etc. –, a situação estratégica, desse Grande Israel, a médio e longo prazo, é simplesmente catastrófica, e isso Netanyahu e a ampla maioria eleitoral simplesmente não conseguem enxergar um palmo à frente dos seus narizes superiores e arrogantes.
Com o fim da solução de dois estados e o advento de um Grande Israel de apartheid, o seu isolamento internacional será patético. A maioria dos judeus da diáspora não irá aceitar essa situação vergonhosa e seu afastamento de Israel será cada vez maior. Israel será “mau para os judeus” da diáspora, fonte de vergonha, emulador do antisemitismo.
Entre os palestinos, o grande vitorioso será o Hamas, que além do controle de Gaza irá assumir politicamente a liderança política da população na Cisjordânia. O Fatah será varrido do mapa politicamente com a inviabilidade da solução de dois estados na qual apostou todas as fichas. Não é à toa que Lieberman pede sistematicamente a cabeça de Mahmoud Abbas, o mais pacífico dos dirigentes palestinos.
A Primavera Árabe tenderá a se radicalizar e produzir governos e povos cada vez mais hostis a Israel. Na ausência de um estado palestino, a monarquia da Jordânia acabará varrida do mapa e Israel ficará cercado de todos os lados por regimes islâmicos sunitas (Egito, Jordânia, Síria) ou de hegemonia xiita: Líbano.
Israel continuará a dispor de um poderio militar convencional e nuclear impossível de ser desafiado num conflito militar clássico. Mas uma repressão brutal a uma nova intifada palestina – inevitável a médio prazo, com o apartheid –, provavelmente seguida de expulsões e de limpeza étnica (como já propugnam hoje franjas extremas do bloco dominante que sonham “transferir” os palestinos) tende a provocar uma longa guerra de atrito entre Israel e movimentos politico-militares islâmicos do tipo Hezbollah e Hamas que, abastecidos por governos islâmicos e com toda profundidade territorial necessária, poderão disparar foguetes contra Israel anos a fio.
Para neutralizá-los, Israel teria que novamente realizar operações terrestres e ocupar território, expondo-se a um a guerra de guerrilhas custosa, sobretudo numa sociedade paradoxalmente tão sensível a perdas de vida dos seus próprios.
Não são necessário muitos foguetes nem muito precisos caindo diariamente sobre as grandes cidades israelenses para começar a minar seriamente sua economia e intensificar a imigração, já em curso, da parcela da juventude mais laica e progressista que não quer se ver envolvida em guerras injustas, provocadas pelas políticas belicistas da direita e extrema direita israelense.
Essas políticas de Netanyahu/Lieberman, com ou sem ataque ao Irã, prometem para breve uma longa guerra de atrito sem horizonte de termino. Não mais contra países e exércitos regulares, mas contra movimentos populares armados e determinados, dispostos a morrer aos milhares, com base em estados falidos e sem horizonte algum de conclusão. Não haverá mais o quê nem com quem negociar. Será uma guerra de atrito sem fim contra povos armados.
É o que prometem Bibi Netanyahu e Avidgor Lieberman, os coveiros do Estado de Israel, pelo menos naquela forma do estado democrático de maioria judaica fundado em 1945, pela Assembléia Geral da ONU, presidida pelo chanceler brasileiro Osvaldo Aranha. É um pesadelo.
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