Cláudio Versiani, de Nova York*
A América é a terra do beisebol, do basquete e do futebol americano. O legítimo eles chamam de "soccer", palavra derivada de Association Football. O negócio deles é jogar bola com as mãos A Copa do Mundo nos EUA passa longe ou passa no canal mexicano, na ESPN 2 e, de vez em quando, na ABC. Como em Nova York tem gente de todo o mundo, a cidade se liga um pouquinho na paixão do futebol jogado com os pés, o verdadeiro. E os jornais locais refletem a preferência dos imigrantes. |
Ronaldinho Gaúcho é o verdadeiro fenômemo, ou pelo menos o da hora. Sem ofensas ao Nazário, que anda com a bola meio murcha. O craque do Barcelona foi capa do NY Post e das revistas de esportes do NY Times e da ESPN, tudo isso antes de a bola rolar nos gramados alemães. A matéria do NY Times não economiza elogios a Ronaldinho, o Gaúcho. Pelo contrário, abusa e até insinua que, se algum jogador tem chance de chegar perto de Pelé, esse jogador se chama Ronaldo de Assis Moreira.
O jornal publicou anúncios de página inteira chamando para a edição de esportes. Um Ronaldinho enorme solto no ar. Nesses tempos bicudos de Marcolas, Valérios e Zé Dirceus da vida, matanças em São Paulo, corrupção generalizada, quebradeira da Varig e tantas outras noticias ruins do dia-a-dia, a página do NY Times é uma questão de orgulho nacional. Principalmente para quem está longe e tem a sensação de que as pessoas vivem se esquivando das balas perdidas nas ruas das cidades brasileiras.
"Olhe Ronaldinho, o mais talentoso e mortal jogador de futebol, e o que você vê é o sorridente símbolo da cultura brasileira do prazer." Dessa maneira, John Carlin, o autor do artigo, começa a descrever o melhor jogador do mundo.
Ja na edição diária, o famigerado Larry Rother escreve que o problema do técnico Carlos Alberto Parreira é encaixar cinco dos melhores atacantes do mundo em quatro posições. O título da matéria é "O Brasil e outros 31 times." Esperemos que desta vez ele esteja certo.
Em outra matéria, o jornal afirma que os brasileiros são amados e respeitados não só pelo samba ou pelas roupas sumárias das belas mulheres, mas porque somos o país de Ronaldo e Ronaldinho. Vale tudo para enaltecer a alegria do futebol e o espírito brasileiro.
Mas é John Carlin quem mais bem escreve sobre o melhor e mais caro jogador de futebol do mundo. Ele diz que o Brasil joga um futebol chamado de "o jogo bonito" e que, mais do que ninguém, Ronaldinho é a personificação desse jogo. Futebol é a maior religião do mundo, um fenômeno mundial independente de raça, ideologia, fé. E o Brasil é a catedral dessa religião. E o mais importante, segue Carlin, é a harmonia racial que o time do Brasil projeta. Alguns são negros, outros brancos, mas normalmente eles são a mistura das duas raças.
A lista dos magos brasileiros é grande: Garrincha, Tostão, Rivelino, Zico, Romário, Rivaldo, Kaká, Adriano, Robinho, além do maior de todos, Pelé, é óbvio. Carlin conta que o Rei, aos 17 anos, na Copa da Suécia, fez algo que ninguém tinha visto ainda (um genial chapéu sobre o defensor) e descreve o memorável gol que Pelé marcou na final contra a Suécia.
Para John Carlin, Ronaldinho marca gols sublimes e um punhado deles, assim como fazia Pelé .Ronaldinho é o melhor lançador do mundo, o mestre da assistência, iniguálavel no domínio da bola. E ele joga com um sorriso no rosto, mesmo quando perde uma jogada. O autor fecha a matéria afirmando que Ronaldinho está reiventando o futebol. "Ele é o mais criativo e o mais prazeiroso jogador de se ver dos últimos tempos."
Fiquei imaginando de que planeta poderia ser esse norte-americano John Carlin. Desiludido, descobri no final do artigo que é um jornalista do El Pais, de Madrid, Espanha, sede do melhor futebol do mundo.
Continuei imaginando que ele, como todo mundo, ficou decepcionado com a fraca estréia da seleção brasileira. Quando os americanos dizem que soccer é um esporte chato, eles estão exagerando. Mas se o Brasil é o melhor do mundo e jogou aquela bolinha contra a Croácia, não há como não concordar com os gringos, pelo menos quanto a esse jogo.
Ronaldinho Gaúcho se esforçou e fica no ar a esperança de que ele acerte. É impossivel que isso não aconteça. Já o gordo Ronaldo vai ter de provar mais uma vez que também é o melhor do mundo, mesmo com alguns quilos a mais e falando mais do que devia. Adriano dormiu em campo e esteve completamente desconectado do jogo. A nossa sorte é que temos Robinho no banco. O nosso azar é que Parreira é o técnico. A minha sorte particular é que não tenho que aturar o Galvão Bueno, menos mal.
Quem esperou quatro anos para ver o jogo bonito, viu a República Tcheca, um time eficiente e matador que vai dar muito trabalho. Mas, futebol é mesmo uma caixinha de surpresas, quem se desloca recebe, quem pede, tem preferência… E, a melhor de todas as frases, futebol é bola no barbante. Arábia Saudita e Tunísia fizeram o dever de casa, não foi um jogão, mas foi bom de ver. Os gols provam que os americanos realmente não entendem nada do esporte bretão.
Todo mundo ficou devendo, excetuando-se a República Tcheca, o Equador, a Espanha e, felizmente, o Kaká. A Argentina pagou com juros e correção monetária na segunda rodada. Pobre Sérvia e Montenegro, arrasada pelos seis torpedos argentinos.
Eu prefiro ficar com o repórter da ESPN que, na abertura da transmissão da partida ou arremedo de partida Brasil x Croácia, foi logo dizendo: "Nós deveríamos ser imparciais, mas eu tenho uma confissão a fazer, eu amo o Brasil. Ronaldo, Ronaldinho, Cafu e Kaká são nomes que você fala sorrindo. O Brasil é o único time que joga futebol como deveria ser jogado, da maneira que as crianças jogam. O mundo ama o Brasil e o Brasil ama o mundo todo."
Viva o repórter da ESPN. Viva o Ronaldinho Gaúcho, o melhor de todos e o nosso orgulho nacional.
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