Lúcio Lambranho
Enquanto deputados apresentam projetos de lei para ampliar as possibilidades de porte de armas, conforme revelou ontem o Congresso em Foco, uma pesquisa inédita (veja a íntegra) mostra que foi justamente a restrição da autorização para civis que reduziu as mortes no país por armas de fogo a partir da implantação do Estatuto do Desarmamento em 2003.
Naquele ano, houve 22,4 mortes por armas de fogo para cada 100 mil habitantes. Em 2006, o número já havia caído para 20,4 óbitos para cada 100 mil pessoas. Entre os estados com maiores quedas no número de mortes por uso de armas desde 2003, destacam-se São Paulo (-40,5%), Distrito Federal (-26,0%) e Tocantins (-24,8%).
O estudo mostra a evolução das mortes desde 1996. Comparado o período de 11 anos coberto pela pesquisa (de 1996 a 2006), o retrato é bastante negativo. Em 1996, o índice nacional era de 16,6 óbitos por armas de fogo para cada 100 mil habitantes. Mesmo com a queda ocorrida depois que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, aumentou em 23% o índice de brasileiros que morrem por utilização de armas.
Piauí (+229,1%), Pará (197,6%), Minas Gerais (165,5%) e Paraíba (+125,1%) foram os estados em que houve maior aumento das mortes entre 1996 e 2006. No caso do Piauí, ressalte-se, há o atenuante de se tratar até hoje de um dos estados brasileiros com menor índice de mortalidade por armas de fogo (8,1 por 100 mil em 2006, índice superior apenas ao de Santa Catarina).
Efeitos do estatuto
Os dados foram reunidos pela ONG Viva Rio (mantida pela Viva Comunidade), em uma ação conjunta com a Subcomissão de Armas e Munições da Câmara dos Deputados e a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Os estados também participaram, por meio do fornecimento de informações pelas secretarias de segurança.
Apesar das quedas acentuadas em estados com grande concentração de população como São Paulo, no total ainda há um número maior de estados com aumento das taxas de mortalidade por arma de fogo: 13 estados apresentaram quedas desde 2003, contra 14 estados que tiveram aumentos nas taxas de mortes.
Considerando somente a evolução a partir de 2003, segundo a pesquisa, foram observados maiores aumentos nas taxas nos estados do Maranhão (36,0%), Paraíba (33,0%) e Rio Grande do Norte (30,5%).
Mesmo assim, o estudo comprova os efeitos positivos do estatuto. “Em 2006, é possível identificar claras quedas na região Centro-Oeste e no estado de São Paulo. Estudos recentes comprovam que a queda nas mortes por arma de fogo está relacionada com a implementação do Estatuto do Desarmamento”, diz o relatório da pesquisa, intitulada “O ranking dos estados no controle de armas”.
10 milhões de armas ilegais
Os dados mostram que das 17,6 milhões de armas em circulação no país, apenas 2 milhões estão nas mãos dos órgãos de segurança pública e das Forças Armadas. São ao todo 15,5 milhões em mãos privadas, sendo que 5,4 milhões estão registradas (legais) e 10,1 milhões estão ilegais (não registradas).
Cerca de 6 milhões estariam sendo utilizadas por criminosos e 4 milhões em mãos de “cidadãos honestos”. Essas armas, diz o estudo, são de pessoas que ainda não registraram suas armas e fazem parte do “mercado informal”.
Ainda, segundo a pesquisa, das armas privadas legais, em torno de 300 mil são de propriedade de empresas de segurança privada e em torno de 5 milhões são de propriedade de indivíduos.
Usando esses dados a pesquisa concluiu que apesar de quedas “significativas” na taxa de mortes por arma de fogo”, o Brasil continua sendo uns dos países mais violentos do mundo. “A arma de fogo é a marca da insegurança no Brasil. Embora o controle de armas não resolva por si só a questão da insegurança, está provado que ele atua de forma fundamental no principal vetor que gera a violência: a arma de fogo”, afirma o texto do relatório.
“De forma crítica, mas construtiva, este relatório preliminar mostra que a política de segurança no Brasil está doente. O ranking dos estados mostra que as partes sadias do corpo da gestão do controle de armas estão cercadas de ‘manchas’ da enfermidade”, concluem os pesquisadores.
O ranking da eficiência
A pesquisa também mostra o ranking dos estados que têm os melhores controles de armamentos e munição e combate ao tráfico ilegal.
Os cincos primeiros estados de acordo com o grau de resposta, colaboração e qualidade das informações prestadas sobre o controle de armas de fogo são, conforme o levantamento: Distrito Federal (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Pernambuco (PE) e Tocantins (TO).
“Não quer dizer que o Distrito Federal esteja perfeito, quer dizer que ele teve o melhor desempenho. A partir dele que foram analisados os outros”, explicou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Subcomissão de Armas e Munições e que encomendou a pesquisa.
Os cinco piores são: Amapá (AP), Sergipe (SE), Rondônia (RO), Amazonas (AM), Santa Catarina (SC) e Paraíba (PB). O estado de Sergipe não atendeu a nenhum dos pedidos de dados feitos pelos pesquisadores.
Como frizou Jungmann, há problemas, mesmo entre os estados que demonstraram estar mais avançados em relação ao controle de armas.
“Os únicos estados que conseguiram centralizar a perícia e o depósito de armas de munições, e de unificar todas as informações, num sistema único, com comunicação com a Justiça, foram Rio de Janeiro e Distrito Federal”, destaca o relatório preparado sob a coordenação do técnico Antônio Rangel Bandeira. Também integrou a equipe de pesquisa Pablo Dreyfus, especialista da ONG Viva Rio desaparecido no acidente ocorrido em maio com o avião da Air France.
Mas, acrescenta o documento, os órgãos que atuam na área enfrentam “dificuldades de diálogo informático” no Rio de Janeiro, onde as armas estão estocadas em “condições inadequadas”: O depósito é muito pequeno, e se encontra abarrotado de armas, que esperam por destruição. As condições de trabalho dos funcionários do depósito são lamentáveis. Esses homens trabalham em ambiente fechado, pequeno, sem ventilação, com ar contaminado por metais pesados, e armas e munições são estocadas juntas. Além de acelerar o processo de destruição de armas, o depósito precisa ser modernizado e ampliado”.
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