Andrea Vianna
Poucos passam tanto tempo ao lado do presidente Lula quanto Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial da Presidência da República. As lentes de sua Canon EOS 1 DI já capturaram solenidades oficiais, encontros com autoridades estrangeiras e populares, sorrisos e cenhos franzidos do presidente, ao longo de 74 viagens internacionais e 213 nacionais, sem falar dos compromissos cumpridos em Brasília.
“De vez em quando, ele pega a minha máquina e brinca de fotógrafo”, conta Stuckert, lembrando uma foto tirada por Lula durante solenidade no Itamaraty. “Ficou muito boa e eu divulguei”. Tamanha convivência com a principal autoridade do país fez de Stuckert um espectador privilegiado do governo do primeiro operário a ocupar o principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. E, ao mesmo tempo, um profissional cioso do limite entre o espaço público e os momentos mais íntimos do presidente da República.
Ao longo da entrevista ao Congresso em Foco, Stuquinha, como é conhecido entre os colegas, ressalta em Lula traços incomuns a um presidente da República, como o tratamento atencioso dispensado igualmente a autoridades e a populares e a paciência em atender aos apelos de posar para fotos com admiradores. “Ele é humano demais”, diz, com indisfarçável admiração pelo alvo de sua objetiva. “É um presidente diferente, é um presidente do povo”.
Conforme Stuquinha, a imagem – alardeada por vários desafetos de Lula – de um presidente preguiçoso, que pouco trabalha, é inteiramente falsa. “É um presidente ativo, que não pára. Se você vir a agenda, vai notar que ele não pára. Eu nunca vou dizer ‘ih, vou fazer essa pauta de novo’”, diz o fotógrafo, que tem 35 anos e 18 de profissão.
A receita para não desagradar ao chefe nem aos veículos de comunicação que reproduzem suas fotos está, segundo ele, no binômio profissionalismo e confiança. “O fotógrafo tem de ter muita intuição para saber a hora certa de apertar o botão para fotografar. E tem de saber se colocar, não pode também invadir a privacidade do presidente. É preciso ter um certo cuidado ao fazer as fotos para não incomodar”, observa.
Profissional com passagem pela grande imprensa (trabalhou, entre outros veículos, nas revistas Veja, Istoé e Caras), Stuckert não esconde que sua preferência é por registrar os momentos de maior descontração do presidente. “Eu gosto de mostrar o lado pessoal do presidente que era operário e chegou ao poder. Não é aquela coisa que ele senta ali na cadeira e diz ‘vamos embora governar este país’”, afirma.
“Ele está jogando bola ali, então eu vou, faço a foto e pronto. Não fico enchendo o saco, dizendo ‘olha, faz isso, faz aquilo’. Eu faço ele chutando a bola. Não faço ele lá, com a bola parada. É o que todo mundo quer ver e é o que eu quero fotografar”, conta o fotógrafo, que tem acesso a momentos reservados do presidente, como as peladas na Granja do Torto e as brincadeiras com a cadela Michelle, morta em 2005 (veja a imagem).
Quarta geração de uma família de fotógrafos – em cujas veias correria não sangue, mas líquido revelador, como gosta de brincar –, Stuckert é filho de Roberto Stuckert, o responsável pelo registro das imagens oficiais do último presidente militar, o general João Baptista Figueiredo (1979-1984). A paixão pelas lentes foi transmitida aos descendentes pelo primeiro fotógrafo da família, um suíço que foi o bisavô de Stuquinha.
Além de conferir a entrevista de Stuquinha, veja também as fotos que ele selecionou, especialmente para o Congresso em Foco. O CONJUNTO DE IMAGENS mostra o presidente em solenidades oficiais e em momentos de total descontração.
Congresso em Foco – De onde veio o convite para trabalhar com o presidente Lula?
Ricardo Stuckert – Na última campanha presidencial, eu estava na IstoÉ, fazendo ensaio fotográfico de todos os candidatos à presidência. Eu convivia uma semana com cada um. Ia para a casa deles e fotografava o dia-a-dia de cada candidato. Foi quando conheci pessoalmente o presidente Lula. Quando o ensaio foi publicado, ele veio me cumprimentar e dizer que havia gostado muito do resultado. O convite veio logo depois. Eu estava no Rio de Janeiro, no último debate dos candidatos na TV Globo. A proposta veio do Kotscho (Ricardo Kotscho, ex-secretário de Imprensa). Aceitei na hora. No momento, a gente se move por instinto, sente o que deve fazer.
Houve uma empatia com o candidato Lula?
Não sei dizer como foi. Afinal, estive com todos os candidatos. Mas eu já tinha acompanhado o Lula em uma viagem muito interessante, em 1994, durante uma das Caravanas da Cidadania. Viajávamos ao longo do rio São Francisco em dois barcos, um da imprensa e outro da comitiva de Lula. Durante os 15 dias do trajeto, pude conhecer melhor o político, o candidato. Eu fiz a cobertura pela revista Caras. Além disso, eu já o fotografava no Congresso quando ele era deputado. Às vezes, ele falava comigo. Depois, fui reencontrá-lo na campanha de 2002.
Você não teve receio de se tornar um fotógrafo chapa-branca?
Na época, todo mundo falou: “Pô, Stuquinha, você é fotógrafo de jornal, agora vai virar chapa-branca”. No entanto, eu cheguei à presidência da República como o mais novo fotógrafo oficial. Geralmente, a pessoa chega aqui com uma experiência maior. Eu cheguei muito jovem, mas cheio de vontade.
Você fez muitas mudanças no departamento de fotografia …
Quando cheguei, não tinha um site para divulgar as fotos do presidente, não tinha nem máquina digital. Eu informatizei o departamento inteiro. O Kotscho transformou a Secretaria de Imprensa numa redação, quebrou as paredes, deixou todo mundo interagir. Isso me ajudou muito. Falei com o Kotscho para montarmos um site. Hoje, a fotografia é o item mais acessado dentro do site, que tem várias coisas, como a agenda do presidente. Nos dias de evento, publicamos fotos quase em tempo real, acessíveis para todo mundo, de estudantes a funcionários de embaixadas.
Qual o resultado prático disso?
Por exemplo, está na agenda que o presidente vai fazer uma visita oficial a um país na África. As pessoas começam a ligar e a pedir fotos oficiais. Antes, você tinha de mandar via Itamaraty, demorava muito. Agora, o pessoal liga, pede e eu simplesmente oriento para pegar no site. O sujeito baixa a foto em dez segundos. Temos uma média de 9 a 10 mil fotos por mês baixadas do site, cerca de 120 mil fotos por ano. O mais legal é que a gente faz o trabalho e ele não fica só aqui, guardado com o presidente. Ele é divulgado.
Um diferencial no seu trabalho é que você não se atém a fotos oficiais. Você também fotografa o presidente em situações informais …
Vim para cá, inclusive, com essa proposta. De outro jeito, não suportaria ficar fazendo só trabalho oficial, aquela coisa light: faz uma foto, revela, entrega a foto, faz o álbum. Não. Eu procuro mostrar esse lado informal do presidente: o dia-a-dia dele, ele jogando bola na Granja do Torto. No livro Lula – 500 Dias (que Stuckert lançou com Ricardo Kotscho pela Editora Takano em 2004), tem muita coisa assim, como o presidente pescando no Palácio da Alvorada. Já viu fotos assim de outros presidentes?
E ele não se importa? Como você lida com a intimidade do presidente, até onde você pode chegar?
O fotógrafo tem de ter muita intuição para saber a hora certa de apertar o botão para fotografar. E tem de saber se colocar, não pode também invadir a privacidade do presidente da República. É preciso ter um certo cuidado ao fazer as fotos para não incomodar. Se ele está jogando bola, não deixa de ser o presidente. Por outro lado, com o tempo, vai-se criando uma relação de confiança também, mostrando profissionalismo. Acho que o segredo é juntar essas duas receitas. Além disso, eu gosto de mostrar o lado pessoal do presidente que era operário e chegou ao poder. Não é aquela coisa que ele senta ali na cadeira e diz “vamos embora governar este país”. Ele pesca, joga bola, como qualquer outro cidadão.
Mesmo mostrando o presidente na intimidade, você preserva a imagem do presidente da República. Como consegue fazer isso?
Vou ser sincero. Se você tiver a chance de dar uma passada no livro, vai ver que tem muita coisa da intimidade dele. Muita coisa que, em relação a outros presidentes, o fotógrafo oficial não tinha a liberdade de divulgar. Ele está jogando bola ali, então eu vou, faço a foto e pronto. Não fico enchendo o saco, dizendo “olha, faz isso, faz aquilo”. Eu faço um registro com o olhar de um fotojornalista. Não de um fotógrafo oficial. Eu faço ele chutando a bola. Não faço ele lá, com a bola parada. É o que todo mundo quer ver e é o que eu quero fotografar.
Qual a diferença entre ser fotógrafo dos grandes veículos e da Presidência da República?
Eu nasci em Brasília, fui criado aqui, convivendo com política o tempo todo. É muito fácil a gente estar do outro lado e criticar. No entanto, não dá pra saber o que se passa. Quando cheguei aqui, batalhei muito para resolver algumas dificuldades que eu tinha. É óbvio que a gente não consegue executar tudo o que pensa em fazer. No comitê de imprensa, tinha uma sala que diziam que era a sala dos fotógrafos. Não tinha cadeira, mesa, nada. Eu pedi para colocarmos mesas e cadeiras, além de tomadas para laptops e gavetas com chaves. Agora, o cara pode ligar o laptop e transmitir a foto dele daqui mesmo do Palácio. Ninguém tinha se tocado disso antes.
Que outras mudanças você implementou?
No gabinete do presidente, agora tem uma luz uniforme, que chamamos de day light. Ajuda muito os fotógrafos, que podem trabalhar sem flash. Usamos essa luz em 99% dos eventos. Quando o presidente Bush esteve aqui, colocamos internet sem fio na sala dos fotógrafos e televisão no comitê de imprensa na Granja do Torto. Quando o Alvorada ficar pronto, também vamos providenciar internet sem fio para os plantonistas. Outra mudança é que eles têm um tempo maior para fotografar o presidente. Eu é que dou o tempo. Eu sou fotógrafo, sei que não é entrar, fazer a foto e sair. O cara precisa de um tempo lá dentro para fotografar. Tento facilitar a vida dos fotógrafos a partir de dificuldades técnicas que eu sempre enfrentei. Agora, se você perguntar se está mais fácil ou mais difícil fotografar, aí é de cada profissional.
Daqui a pouco, você completa quatro anos com a mesma pauta. Não se cansa disso?
Não, porque todo dia é uma pauta diferente. Se você vir a agenda dele, o quanto a gente viaja por este Brasil e pelo mundo afora, não tem como repetir com ele. Ele pode até voltar na mesma cidade, mas, ainda assim, pode ter certeza de que ela estará diferente. Porque ele foi lá, viu, e depois, quando voltou, alguma coisa foi construída, uma ponte, uma escola. E a agenda dele é impressionante. Eventos, encontros com políticos estaduais e federais, empresários. E eu não sou só um fotógrafo oficial que vai lá, faz clique, clique, e sai. Não, porque é um presidente diferente. É um presidente do povo, é um presidente ativo, que não pára. Se você vir a agenda, vai notar que ele não pára. Então, eu nunca vou dizer “ih, vou fazer essa pauta de novo”.
Aumentou ou diminuiu sua carga de trabalho?
Você pode dizer que é “puxa-saquismo”, mas eu nunca trabalhei tanto na minha vida. Falam assim: “Ah, é trabalho de funcionário público”. Mas a verdade é que nunca trabalhei tanto.
Como é o seu dia-a-dia?
É pesado. Chego às 8h30 todos os dias e só saio quando o presidente sai. Olha, eu conto nos dedos os dias que ele saiu daqui às sete horas da noite, seis e meia. É raro. Eu saio daqui, em média, nove e meia, dez horas da noite, todos os dias. Quando tem evento, tudo bem, dá para sair mais cedo; ou mais tarde. Mas, no dia-a-dia, tem uma agenda do presidente a cumprir. Tem agendas que são abertas, eventos para a imprensa. Mas eu ainda tenho o dia-a-dia. A visita de um chanceler, um deputado, a assinatura de algum documento, coisas que não interessam para a grande imprensa, mas que eu tenho de registrar, entendeu? É muita coisa.
Você só tem férias quando ele tem?
Pois é, e ele não teve férias. Ele tirou dois dias, quinta e sexta, além do fim de semana. Ele ficou fora de Brasília por quatro dias. Nesse intervalo, eu aproveitei para sair também. Mas no final do ano, geralmente, ele libera a gente. Nesse lado, ele é, ele é… humano demais.
Você pode descrever melhor esse lado humano do presidente?
Por exemplo, eu estou andando ao lado dele, carregando duas máquinas, lentes, bolsas, ele fica preocupado e diz: “Você está carregando muito peso. Por que você carrega tanto peso? Alguém precisa ajudá-lo”. Então, é gratificante saber que tem uma pessoa que enxerga as suas dificuldades. Como fotógrafo, ando cheio de coisas pra carregar, mas ele vê isso e se preocupa. Acho legal esse lado dele.
Ele é assim só com você?
Não, veja, a gente viaja o Brasil inteiro, vê como o brasileiro é. Ele é isso, está preocupado com as pessoas e com quem trabalha ali ao lado dele. Nós temos tanto trabalho, não estamos preocupados se a pessoa ao lado está bem, mas se ela está lá, fazendo o que deve ser feito. Mas ele trabalha preocupado com o bem-estar da equipe dele.
Além de ser atencioso, o que mais chama a atenção na pessoa do presidente?
A paciência, sem dúvida. Às vezes são dez pessoas querendo tirar foto com ele e ele fotografa com todas.
As pessoas pedem para serem fotografadas com ele?
Várias, várias. Mulheres pedem para entregar bilhetes para ele, ficam chamando “presidente, presidente”, e ele vai até a pessoa. Ele procura seguir o protocolo. Mas se tem alguém tentando se aproximar de Lula e ele pára no meio do caminho por algum motivo, o presidente vai até a pessoa ou a deixa chegar perto. Autoridades também querem tirar fotos com ele, como na reunião do G-8, grupo dos oito países mais ricos do mundo. Foi engraçado, porque todos os outros presidentes queriam conhecê-lo e ser fotografados com ele. Eles tinham a curiosidade de saber quem era esse operário que chegou ao poder e virou presidente. Foi quando eu vi a dimensão da importância do nome dele lá fora.
Houve alguma foto que você não pretendia fazer, mas ele pediu que fizesse?
Não. Mas uma vez ele pegou a minha máquina. Era uma visita de chefe de Estado lá no Itamaraty. Quando ele chegou, todos os fotógrafos estavam batendo fotos dele. Então ele disse: “Agora eu vou fotografar para vocês verem como é estar do outro lado”. E fez a foto com a minha máquina. Ficou muito boa e eu divulguei no site. Em uma outra viagem, ele pegou a minha máquina e fotografou os populares. Ele é assim, está sempre atento a tudo. No final dos compromissos, costuma perguntar: “E aí, fotografou?”.
Tem alguma foto que, na sua opinião, resuma o governo Lula até agora?
Uma foto apenas não dá para resumir o governo dele. Mas há um conjunto de fotos de que eu gosto mais (veja as imagens selecionadas por Stuckert). Um conjunto que inclui ele no meio do povo, ele recebendo alguém. Eu vejo que ele é receptivo com todo mundo. Não tem distinção de tratamento, sabe? O carinho é o mesmo com todos.
Você desejava ser fotógrafo oficial como seu pai?
Não, nunca passou pela minha cabeça. Eu estava num momento super bom na IstoÉ, tinha coberto Olimpíadas e queria ir novamente. Quando veio o convite, pensei: “Não vou cobrir mais Jogos Olímpicos”. Mas, em compensação, percebi que iria cobrir um presidente operário. Quantos anos ele levou para chegar à presidência? Quando é que eu vou ter essa oportunidade de novo? Por isso, aceitei logo. E não me arrependo. Vou sair daqui com uma bagagem impressionante.
Que dicas você ouviu do seu pai?
É engraçado, porque meu pai cobriu um período militar. O governo do Figueiredo foi a época da anistia, da abertura. E eu estou cobrindo o governo de um operário. São dois extremos, dois momentos importantes do país. Ele falou para mim: “Faça o que você sempre fez na vida. Fotografe com seriedade. Vá trabalhar como se estivesse nas redações. A dedicação que sempre teve, mantenha agora, só que mais um pouquinho. Você vai estar lidando 24 horas com o chefe da nação”. Também me deu alguns toques, como maneira de se comportar, não interferir em nada, deixar as coisas acontecerem naturalmente.
Outros veículos podem publicar fotos suas?
Não quero ver minhas fotos publicadas em veículos que enviaram fotógrafos para o evento em questão. Mas há alguns casos excepcionais. Por exemplo, O Globo raramente manda profissionais para viajar com a gente. Profissionais da Folha e do Estadão viajam mais. A vantagem é que o fotógrafo oficial passa a estar em todos os lugares onde o presidente está, e, às vezes, não há espaço para todos. Um aperto de mão com outra autoridade, uma senhora que o aguardava na saída de um hotel. Acabo fazendo fotografias que outros não fazem porque não estão o tempo todo com ele. Uma vez, fui o único a registrar um encontro inesperado entre o Lula e o presidente da Rússia, Vladimir Pútin. Eles se encontraram no corredor do hotel, começaram a bater papo, eu fui lá e registrei.
Qual é a melhor foto de toda a sua carreira?
Se eu falar qual é a minha melhor foto, vou deixar de ser fotógrafo, porque ainda estou atrás dela.
Tem alguma foto da era Lula de que você mais gosta?
Não tem uma só. São várias fotos legais, é o conjunto da obra.
Nem entre aquelas que só você conseguiu bater?
Não dá para a imprensa toda andar no avião do presidente. Então, uma vez, fiz uma foto que foi bem divulgada, do presidente olhando pela janela um caça da Força Aérea que interceptou o avião presidencial para cumprimentar a dona Marisa pelo aniversário dela. A idéia era mostrar ao presidente a potência dos caças. Eu estava lá dentro e fiz a foto, coloquei no site e divulgaram.
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