Márcia Denser*
Anda em baixa, relegado, deixado pra lá. Porque o esquecemos, tão envolvidos que estamos em coisificar pessoas, a começar por nós mesmos, e a humanizar as coisas. Nas últimas colunas, andei discutindo como e por que somos manipulados pelo sistema e seus representantes. Mas, como tudo na vida tem duas versões, é preciso abordar a coisa de outro ângulo, isto é, do nosso. Como cidadãos, eleitores, trabalhadores, consumidores.
Aí, pensando bem, nem sempre fazemos a nossa parte, e nosso pecado maior é a omissão. Não estamos exercendo nossos direitos – pra começar, nos informando a respeito – até porque tal exercício dá trabalho, pois significa entrar em contato com instâncias que já não são máquinas, gravações, repetidores de telemarketing, instâncias que são pessoais, gente de carne e osso, gente como tu e eu, com quem é preciso trocar cumprimentos, informações, conversar, colocar-se, negociar. E o que não se exercita atrofia.
Eis alguns exemplos de ação objetiva:
Um amigo arquiteto ficou com telefone mudo por cerca de uma semana e como em Sampa a operadora de plantão é a espanhola Telefónica, vocês podem imaginar o drama. Pensando bem, não. Não podem (se não forem paulistanos e assinantes da Telefônica). É um verdadeiro pesadelo surrealista ser passado de operador em operador e gravações nos remetendo a parte alguma enquanto não nos convencem a concordar com um contrato de manutenção a ser cobrado mensalmente na conta, mais serviços e equipamentos, senão neca da Telefónica verificar o defeito. Naturalmente, meu amigo não concordou e assim o pesadelo prosseguiu até que ele teve a maravilhosa idéia de escrever ao ombudsman da empresa relatando o problema. Resultado: o conserto foi providenciado em tempo recorde! Até aí, tudo bem. Mas, não é puro surrealismo precisar solicitar um conserto de linha telefônica via ombudsman? E dar graças a Deus quando o sujeito existe…
… Porque ele também pode não existir, como no caso da TVA Sistema de Televisão S/A, operadora de TV a cabo da qual sou assinante há anos, porque aí o pesadelo vira beco sem saída. É o seguinte: com a implantação da tevê digital, percebi que muitos filmes são ou dublados ou com som original, sem a opção de legendas em português, a exemplo dos canais da HBO Family (será que para os caras da HBO, "family" significa televisão para débil mental ou analfabeto?), TNT, TCM Hollywood (imaginem Judy Garland, Bogart, Marilyn Monroe falando e cantando português! É ridículo!), além de vários filmes exibidos com dublagens e legendas apenas em espanhol, sem opção para o português. Creio que não preciso explicar o quanto uma dublagem, boa ou má, prejudica a recepção dum filme, sem contar que sou escritora de língua portuguesa, uma criatura especialmente sensível à questão da linguagem, e lembrando que pago por esse serviço R$ 127,50 mensalmente!
Falei ao telefone com uma supervisora chamada Viviane, que informou o seguinte: "Os pacotes de canais já vêm fechados nesse formato e as tevês não têm centrais de relacionamento com o assinante. A senhora sempre pode reclamar nos sites, né? Quer os endereços eletrônicos?". Quando recusei, ela completou dizendo que, como, além de mim, nenhum outro assinante fizera tal reclamação (a audição do som original com legendas em português), não havia razão para me atender. E passe muito bem, obrigado.
Mas, afinal, do que estou reclamando? No dia anterior, ao reassumir o trabalho (onde estou há 14 anos com irretocável dedicação até porque gosto muito do que faço) após uma delicada operação cirúrgica, minha superiora hierárquica me encarou maquinalmente, como se eu fosse uma "coisa", e sem dizer olá, maquinalmente me passou o serviço.
E estamos conversados.
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