Osvaldo Martins Rizzo* |
O economista Roberto Campos costumava dizer que estatística é como biquíni, pois o que mostra é importante, mas o que esconde é essencial. Parafraseando o ex-ministro, pode-se dizer o mesmo das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) em funcionamento no Congresso Nacional: reveladoras de fatos notáveis, porém encobridoras de outros fundamentais. A intensidade das escandalosas imoralidades praticadas por algumas das figuras de proa do meio político e adjacentes, reveladas sob as luzes dos holofotes das televisivas transmissões ao vivo nas longas sessões das comissões, tem conseguido o notável feito de desnudar totalmente o método usado para o financiamento de campanhas e de obtenção de apoio parlamentar, levantando dúvidas sobre a legitimidade do atual processo eleitoral, que pode estar permitindo a diplomação de indivíduos indignos para o exercício da nobre função de representar o povo, danificando os alicerces da tenra democracia brasileira. Todavia, embora a maioria dos membros das CPIs venha alcançando sucesso no palanquial desempenho inquisidor – aproveitando a fugaz visibilidade fomentadora de futuros ganhos eleitorais –, está fracassando na escolha dos depoentes e na objetividade das argüições feitas aos mesmos, comportamento tipicamente conjuntural que reduz a chance do texto do relatório final vir a contribuir para que, ao menos, fatos assemelhados não se repitam no futuro, por meio da recomendação do aperfeiçoamento legal e de mudanças estruturais nos atuais órgãos de fiscalização. Com raras exceções, deixam a impressão de que se empenham mais na obtenção do imediato lucro eleitoreiro pessoal, mesmo que isso possa acarretar futuros prejuízos à sociedade, e desviam o foco do aprofundamento de questões essenciais, como o aparente erro cometido pelos responsáveis pelos órgãos incumbidos de fiscalizar as contas públicas, que, por exemplo, não julgaram irregulares os processos licitatórios inquestionavelmente dirigidos e os injustificados termos aditivos dos milionários contratos firmados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos com alguns de seus fornecedores, documentos que possibilitaram o assalto aos cofres daquela estatal. Tentando manter a audiência alta, erram o alvo ao apelar para o novelesco enredo de convocar para prestar depoimentos personagens secundários identificados como os grandes vilões da trama e poupando, entre outras, aquelas autoridades superiores que – por omissão, incompetência, cumplicidade ou má fé – permitiram a ocorrência dos atos que até mesmo expuseram ao risco sistêmico o setor bancário nacional ao não perceber os visíveis indícios de crime contra o sistema financeiro. Atos passíveis de serem investigados e punidos nos vultosos empréstimos concedidos por bancos de segunda linha a insolventes partidos políticos. Empréstimos esses garantidos por simples aval de indivíduos detentores de patrimônio pessoal insuficiente para honrá-los, operações financeiras classificadas pelas normas vigentes como de risco inaceitável que sequer constaram como provisão nos respectivos balanços das instituições, fato facilmente constatado por auditorias não comprometidas com a fraude. Ocupados em desempenhar ante as câmeras das redes de televisões o cobiçado papel de justiceiros do eleitorado traído, alguns parlamentares esquecem o âmago da questão ao convocar – e verbalmente destruir – frágeis secretárias e esposas chorosas, meras coadjuvantes de um drama que têm entre os principais protagonistas aquelas autoridades superiores responsáveis por zelar pela saúde do sistema bancário, que, no desempenho do cargo, praticaram o ilícito de desconsiderar as informações que apontavam a realização de milionárias retiradas de dinheiro em efetivo. E muito menos julgaram atípicas as freqüências de saques numa mesma agência bancária, apesar dos alertas registrados pelo instrumento instalado para identificar tais eventos. Com o processo ainda em andamento, é possível se recuperar o foco, parando com a pirotecnia das convocações de fúteis figurantes, e passando a convocar, argüir e autuar aqueles que realmente permitiram que o enorme esquema de pagamento por apoio parlamentar fluísse por meio de um sistema bancário tido, até então, como um dos mais modernos e confiáveis do planeta. Ou seja: as autoridades responsáveis pelos órgãos de fiscalização que, cientes dos fatos, descumpriram as indelegáveis obrigações inerentes aos cargos que ocupam. * Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex–conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social |
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