A semana paulistana foi marcada pelo lançamento da última obra do filósofo esloveno Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos (Living in the end times), de importância capital para a crítica (e a sugestão duma “práxis”) sobre o momento histórico em que vivemos. O lançamento da editora Boitempo, que incluiu também A hipótese comunista do pensador francês Alain Badiou (cujo diálogo com Zizek concentra uma importante reflexão da esquerda real na atualidade), aconteceu na quarta última no Espaço Revista Cult, com debate dos críticos e professores Paulo Arantes, Christian Dunker e Vladimir Safatle.
A título de um apanhado geral (pois voltaremos ao assunto em futuras colunas), neste novo livro, Slavoj Zizek argumenta que o capitalismo global se aproxima rapidamente da sua crise final. E ele identifica os “quatro cavaleiros deste apocalipse”: 1) a crise ecológica; 2) as consequências da revolução biogenética; 3) os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água), e 4) o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.
Zizek apresenta sua obra como “parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta”. Pois não há mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando vertiginosamente do fim. E pergunta: se o fim do capitalismo parece a muitos o fim do mundo, como a sociedade ocidental pode enfrentá-lo?
Para explicar porque estaríamos tentando desesperadamente evitar essa realidade (e sua verdade incontestável, a exemplo da absurda assimetria na luta dos 99% que pouco ou nada tem contra o 1% que tem tudo), mesmo que os sinais dum grande caos sejam numerosos em todos os campos, Žižek recorre a um guia inesperado – o famoso esquema de cinco estágios da perda pessoal catastrófica: (1) doença terminal; 2) desemprego; 3) morte de entes queridos; 4) divórcio; 5) vício em drogas), proposto pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, cuja teoria enfatiza que tais estágios não aparecem necessariamente nessa ordem, nem são vividos por todos os pacientes.
De acordo com o autor, podemos distinguir os mesmos cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. Diz ele: “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (‘se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes… ’); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o isolamento; finalmente, após ultrapassar o ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande desordem sob o céu: a situação é excelente! ’”.
Fazendo o advogado do diabo, eu também poderia lembrar que esse esquema de “ver em tudo um oportunidade e não uma crise e/ou catástrofe” é também o mantra da Ideologia Hegemônica do Pensamento Único – e o capitalismo de desastre aí está para prová-lo – contudo por que não utilizar a estratégia e táticas do inimigo?
Hem?
A questão crucial é abandonar a posição passiva – meramente “reativa” – de quem se submete – e assumir a dianteira agindo, interferindo na realidade.
Resumidamente (repito que voltaremos a esta discussão para examiná-la detalhadamente), os cinco capítulos do livro se referem a essas cinco posturas:
O capítulo 1. “Negação” analisa os modos predominantes de obscurecimento ideológico, desde os últimos campeões de bilheteria de Hollywood até o falso “apocalipcismo”, a exemplo do obscurantismo da Nova Era.
O capítulo 2, “Raiva”, examina os violentos protestos contra o sistema global, em especial a ascensão do fundamentalismo religioso; o 3, “Barganha”, trata da crítica da economia política, com um apelo à renovação desse ingrediente fundamental da teoria marxista; o 4, “Depressão”, descreve o impacto do colapso vindouro, principalmente em seus aspectos pouco conhecidos (e ainda menos divulgados), como o surgimento de novas formas de patologia subjetiva. E, por fim, o capítulo 5, “Aceitação”, em que se distingue os sinais do surgimento da subjetividade emancipatória, buscando os germes de uma cultura comunista em suas diversas formas, inclusive nas utopias literárias.
Žižek é otimista quanto ao que pode surgir desse processo de emancipação contra a ordem global e a mistificação ideológica que a sustenta. Engajar-se nessa luta significa endossar a fórmula de Alain Badiou, para quem mais vale correr o risco e engajar-se num Evento-Verdade, mesmo que essa fidelidade termine em catástrofe, do que vegetar na sobrevivência hedonístico-utilitária vigente. Rejeita, assim, a ideologia liberal da vitimação, que leva a política a renunciar a todos os projetos positivos e buscar a opção “menos pior” (algo por si só revoltante mas com o quê ninguém mais se revolta nem dá a mínima:por que?)
Hem?
O fato é que o estado “espontâneo” do nosso cotidiano é uma mentira vivida, de modo que é necessário lutar continuamente para escapar dessa atmosfera geral de peste, que entronizou a hipocrisia como virtude moral. O ponto de partida desse processo é nos apavorarmos com nós mesmos.
Pois o Inimigo só vem de fora porque encontra seu correlato interno, que foi introjetado, portanto o Inimigo está aqui dentro.
Dentro de nós.
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