Marcos Magalhães*
Ainda nos anos 80, o escritor americano Alvin Toffler cunhou a expressão Terceira Onda para definir as grandes mudanças econômicas, sociais e políticas motivadas pelo surgimento do que mais tarde veio a ser conhecido como sociedade do conhecimento. Os altos investimentos em ciência e tecnologia, tem repetido Toffler ao longo dos últimos anos, produzem diretos reflexos sobre a atual configuração do mundo e sobre as perspectivas de mudança econômicas e políticas nas próximas décadas.
Em seu mais recente livro, Riqueza Revolucionária, Toffler inova ao lançar um olhar sobre países considerados emergentes. Em sua opinião, Brasil, Índia, China e México são tripartidos. Algumas regiões desses países ainda viveriam sob os efeitos da Primeira Onda, ligada à agricultura mais básica. Outras estariam surfando na Segunda Onda, ou seja, apostando firme na industrialização – inclusive em setores altamente poluentes, rejeitados por países mais ricos. E, finalmente, haveria regiões nesses países já caracterizadas como de Terceira Onda, com grandes investimentos em ciência e tecnologia e os benefícios decorrentes dessa opção.
O mais importante movimento em direção à Terceira Onda, na opinião do escritor, é o da China. O gigante asiático teria adotado, para ele, a política de “pistas de mão dupla”, para realizar em décadas o que outros países levaram séculos para alcançar. E o que seriam as pistas de mão dupla? “Os líderes chineses”, observa Toffler, “decidiram que o país precisava mais do que a exploração de uma indústria de baixa tecnologia para conquistar seus objetivos. Seria necessário criar seu próprio setor de conhecimento intensivo, de alto valor agregado”.
Ou seja, a China estaria usando os recursos obtidos com as imensas exportações de seus produtos manufaturados para estabelecer as bases de uma nova economia, menos dependente de baixos salários e intensivo uso de recursos naturais. Por um lado, mostra Toffler, os produtos baratos chineses invadem o mundo. Por outro, a China encoraja suas empresas de alta tecnologia – em áreas como as de computadores e telecomunicações – a se espalhar pelo planeta.
O Brasil, é verdade, não tem uma indústria tão forte e competitiva como a chinesa, que lhe permita utilizá-la como base para um salto em direção à Terceira Onda de Toffler. Mas dispõe de recursos cada vez mais escassos para o planeta. Tem grande capacidade de produção de alimentos e biocombustíveis. E poderá contar, caso se confirmem os atuais indícios, com imensas jazidas de petróleo ao longo de sua plataforma continental. Jazidas que podem até se espalhar por países vizinhos, como indica a recente descoberta de gás e petróleo na costa do Uruguai.
Se a China consegue construir seu salto em direção a uma economia com forte conteúdo científico e tecnológico a partir dos resultados de sua indústria de baixa tecnologia, por que o Brasil – e a própria América do Sul – não poderia montar a sua aposta para uma nova economia sobre os setores onde é mais competitivo? Por que não se inspirar no modelo chinês e estabelecer uma estratégia coerente e de longo prazo para o investimento em educação, ciência e tecnologia?
O debate sobre o tema já começou, timidamente, no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, tem dito que sonha em fazer uma “revolução na educação” com os recursos a serem obtidos com a venda das jazidas do chamado “pré-sal” da plataforma continental, onde pode encontrar-se uma das maiores reservas de petróleo de todo o planeta. Mas a discussão poderia ir além. Poderia incluir o uso de recursos provenientes do promissor setor de biocombustíveis. E até mesmo abranger uma estratégia comum com os demais países do Mercosul.
Falar de futuro, na América do Sul, ainda é difícil. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, recebe os colegas do bloco para uma reunião de cúpula no momento em que enfrenta uma enorme batalha política com os grandes produtores rurais de seu país. Outras ondas de instabilidade continuam a se espalhar pelo subcontinente, muitas vezes limitando o olhar político para o cenário de poucos meses à frente. Ainda assim, valeria a pena dar os primeiros passos na construção de um projeto comum de desenvolvimento de uma economia mais moderna.
O Brasil tem uma vantagem comparativa – a relativa estabilidade política. Mesmo que o governo venha a mudar de mãos após as eleições de 2010, não existem no horizonte grandes ameaças à construção de um novo modelo de desenvolvimento de longo prazo, que contenha ingredientes da Terceira Onda de Toffler.
A montagem de um grande fundo de apoio à educação, à ciência e à tecnologia, com recursos provenientes das novas jazidas de petróleo e mesmo dos biocombustíveis, pode ser um bom começo. Mas esse projeto de longo prazo precisa conquistar o país como um todo. Ao contrário da China, onde o governo tem muito mais liberdade de ação, o Brasil depende de certa forma da construção de consensos para levar adiante suas grandes mudanças. E este pode ser um bom momento para apostar no futuro.
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