Estreou esta semana na tevê a cabo Wall Street – o dinheiro não dorme, uma produção da Fox (argh!) dirigida por Oliver Stone. Não querendo dar release de Stone (mas já dando), um tremendo diretor com um pensamento de esquerda, cuja filmografia inclui obras antológicas como Platoon (86), o primeiro Wall Street (87), Nascido a 4 de julho (89), Assassinos por natureza (94), JFK (91), Nixon (95), Um domingo qualquer (99), inexplicavelmente pontuadas por abordagens equivocadas, como o recente W (2008) , uma biografia estupidamente “psicologizada” de George W. Bush, que deixa do lado de fora o mais importante, omitindo suas motivações e ações, cujas nefastas consequências mudaram o rumo da história recente, reduzindo-o a um “garotinho inseguro cujo único propósito seria agradar o Grande Bush Pai”. Como se em meio aos tsunamis do 11 de setembro ou a ascensão do Capitalismo do Desastre e seu cortejo de guerras limpas e sujas, Stone “optasse” pelos “laços da família Bush”.
Voltando a Wall Street 2: trata do retorno de Michael “Gondon Gekko” Douglas, precisamente durante a crise de 2008, o mago corretor da bolsa que, após oito anos na prisão, apresenta um outro “discurso”: se esta crise (de 2008) é imensa, virá outra pior. É como um câncer que contaminou a sociedade inteira, diz ele, mas o fato é que nenhuma economia sobrevive eternamente apenas com os truques da financeirização, com papéis girando no vazio, sem lastro nem produção material que a sustente.
Crise que, aliás, já está começando. Porque é isso que o mundo está fazendo há alguns meses: financeiramente despencando.
Como previu a economista Maria da Conceição Tavares, a extrema direita republicana pautou Obama; asfixiou a política fiscal da maior economia do planeta. O anúncio de cortes de gastos públicos da ordem de US$ 2,4 trilhões de dólares sobre um metabolismo econômico já terminal, equivale a uma espécie de suicídio. Só a convicção autista (e o oportunismo) do Tea Party no laissez-faire – cujo equivalente nativo é a mídia e seus luminares – poderia inspirar-se em lorotas para pautar os destinos da economia e da sociedade. Porque a maioria das pessoas continua acreditando nisso, eis a realidade.
Contudo, os mercados sabem que a coisa não funciona assim. Investidores e especuladores há muito farejaram o desastre e se anteciparam fugindo em massa de ações e títulos, candidatos a perder o valor de face na recessão em curso. Algumas fontes têm reforçado que os atuais arrochos, ajustes e cortes públicos são uma espécie de canto de sereia, de liquidação final antes da Queda irreversível, prevista para a segunda metade de 2000.
Segundo Conceição, não é um quadro como o de 1929: “ Aquele teve um ápice, com recidivas, mas ensejou um desdobramento político que inauguraria um outro ciclo, com Roosevelt e o New Deal. O que passamos agora é diferente de tudo isso.Este é um colapso enrustido, arrastado, latejante. Sim, você tem a comprovação empírica do fracasso neoliberal, mas e daí? São eles que estão no comando, ou será o quê esse arrocho fiscal nos EUA enfiado pelo Tea Party na goela do Obama? Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos ultra-neoliberais: isso é a treva! Não é um fascismo explícito, como se viu na Europa, em 30. Até porque o nazismo, por exemplo – e isso não abona em nada aquela catástrofe genocida – postulava o crescimento com forte indução estatal. O que se tem hoje é o horror de um vazio político de onde emergem as criaturas do Tea Party e coisas assemelhadas na Europa. Não há ruptura na crise, mas sim, permanência e aprofundamento.”
Em entrevista recente à Carta Maior, ela comenta que em 2008 tivemos um efeito oposto: “Capitais em fuga migraram de várias partes do mundo, de filiais de bancos e multinacionais, para socorrer a quebra das matrizes na Europa e nos EUA. Então, o que houve foi uma desvalorização cambial; o Real ficou mais fraco. Isso facilitou as coisas pelo lado das exportações e da contenção de importações, ainda que quase tenham levado à breca aqueles que especulavam contra a moeda brasileira, fazendo hedge fictício para ganhar na desvalorização. Mas do ponto de vista macroeconômico, foi um quadro mais favorável. Hoje é o inverso.”
“Há uma conjunção de colapso do neoliberalismo com a desagregação política que realimenta e reproduz o processo. Mas o poder que conta está em outras mãos, as dos responsáveis pela crise. Vivemos um colapso neoliberal sob o tacão dos ultra-neoliberais. Não estamos falando de gente normal, é preciso entender isso. Não são neoliberais comuns. Isso é a treva! E ela se espalha desagregando, corroendo. Será uma crise longa por conta dessa dimensão autofágica que não enseja um desdobramento político à altura, que inaugure um novo ciclo, como foi com Roosevelt e o New Deal em 29.”
“Aliás, as bases sociais do New Deal não existem mais nos EUA. Obama é o reflexo disso. É uma liderança intrinsecamente frouxa. Não tem a impulsão trabalhista e progressista que sustentou o New Deal. É frouxo. Seu eleitorado é difuso. Ele se comunica com os eleitores pelo twitter e daí? É uma força difusa, desorganizada, estruturalmente à margem do poder. Está fora do poder efetivo no Congresso, que é da direita, dos ricos, dos grandes bancos e grandes corporações, como vimos agora no desenho do pacote fiscal. Está fora da indústria também que foi para a China. Esse limbo estrutural é o Obama. Ele pode até ser reeleito e tomara que seja. Porque a alternativa a Obama é amedrontadora.”
Para Conceição, é o declínio de um império, como foi o declínio do poder da Inglaterra no final século XIX. O poder inglês foi sendo confrontado por nações com industrialização mais moderna. Um arranjo com estrutura de integração superior entre indústria e capital financeiro e que, aos poucos, ultrapassaria a hegemonia inglesa. Foi uma quebra, uma inflexão entre o capitalismo concorrencial e o capitalismo monopolista. A Inglaterra, berço da Revolução Industrial, perdeu o posto para os norte-americanos e alemães. Algo que se arrastou durante décadas. Foi uma Depressão – a primeira que tivemos no capitalismo, que durou de 1873 a 1918. Levou à Primeira Guerra, que resultou na Segunda.
E o novo hegemon? Conceição é categórica: “As forças que se articularam na sociedade norte-americana – basicamente forças conservadoras, de um reacionarismo profundo – não têm condições de produzir uma nova hegemonia propositiva. Claro, eles têm as armas de guerra. E vão se impor através delas por mais algum tempo. Mas daí não sai um novo hegemon. Vamos caminhar para um poder multilateral, negociado, sujeito a contrapesos que nos livrarão de coisas desse tipo, como a ascendência do Tea Party nos EUA. Uma minoria que irradia a treva para o mundo.”
Mas tocando na questão do próprio capitalismo, é preciso considerar também a tensão intrínseca entre o capitalismo e seu próprio excesso. Segundo as teorias de Zizek, ao longo do século XX, percebeu-se um padrão: para esmagar o inimigo, o capitalismo começou a brincar com fogo e mobilizou seu “excesso obsceno” disfarçado de fascismo, mas esse excesso ganhou vida própria e tornou-se tão forte, que o capitalismo “liberal” foi obrigado a unir forças com seu verdadeiro inimigo – o comunismo – para derrotá-lo.
Significativamente, a guerra entre o capitalismo e o comunismo foi uma guerra fria, ao passo que a grande guerra quente foi lutada contra o fascismo. O caso do Talibã não é semelhante? Depois que criar um monstro para combater o comunismo, eles o transformaram em seu principal inimigo. Consequentemente, mesmo que o terrorismo mate todo mundo, a guerra americana contra o terrorismo não é nossa, mas uma luta interna dentro do universo capitalista.
Assim, o primeiro dever dum intelectual progressista (categoria na qual me incluo) é apresentar os fatos, não lutar as lutas do seu inimigo. Certo?
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