Osvaldo Martins Rizzo *
Para aquecer o nível da atividade econômica, combatendo a longevidade da recessão, o governo federal elegeu setores empresariais como merecedores de incentivos fiscais. Um deles foi o da indústria da construção civil, que aproveita para conseguir mais benefícios, alguns retrógrados.
Ajudados pela desoneração tributária, os empresários recorrem ao rançoso argumento de que as dificuldades na obtenção de crédito para financiar a construção e a venda de habitações, providos pelos agentes financeiros, é o único entrave para o desenvolvimento do setor. Não é verdade.
De forma matreira, omitem o atraso tecnológico das próprias empresas, que reduz a qualidade e encarece os preços das moradias ofertadas à população, afastando o comprador. Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia aponta que as poucas famílias que conseguem comprar uma habitação popular gastam até 6,8% de sua renda mensal em reparos e manutenções gerados pelos vícios e falhas na construção. Adicionada à prestação do financiamento, tal despesa suga os orçamentos familiares contribuindo para elevar a inadimplência das carteiras de crédito imobiliário.
Todavia, mal assessorado, o governo cede às pressões empresariais sem negociar contrapartidas e, em recente decisão, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aboliu a exigência da adoção do regime do patrimônio de afetação para que a Caixa Econômica Federal (CEF) financie o capital de giro das empresas, aumentando o risco do comprador da casa própria levar um calote da construtora.
Implantado em 2004, o patrimônio de afetação representou um considerável avanço ao reduzir muito o risco do comprador da moradia em construção ser caloteado, permitindo que cada empreendimento tenha a limitação de bens – diferentes dos que compõem os ativos da construtora ou incorporadora -, para evitar a contaminação caso a empresa responsável pela edificação do imóvel venha a falir.
A introdução do patrimônio de afetação foi, em boa parte, motivada pela dramática bancarrota da construtora Encol na década passada, a maior falência já vista em toda a América Latina, mensurada em cerca de US$ 1,2 bilhão. Ela caloteou quase 50 mil famílias esperançosas em realizar o sonho da casa própria e que ainda lutam nos tribunais, pois pagaram por imóveis que não receberam.
Com o efêmero boom imobiliário pré-crise, várias construtoras se endividaram comprando terrenos caros que agora, com a recessão, perderam valor, tornando essas dívidas impagáveis. O declínio das vendas eleva o risco do calote com a paralisação de obras em andamento, e algumas empresas já estão em situação financeira muito difícil.
Em todo mundo, recessões longas costumam vitimar muitas companhias. Os seis anos seguidos de recessão, completados em 2002, vividos pelo setor da construção na Alemanha, por exemplo, derrubou até mesmo a segunda maior construtora alemã, a Philipp Holzmann, que se declarou insolvente sufocada por uma dívida de quase US$ 2 bilhões.
Em períodos recessivos os ativos das construtoras perdem qualidade, desvalorizados pelo barateamento dos preços praticados devido ao excesso de oferta que derruba a lucratividade, tornando-se menores que os passivos numa típica situação de pré-falência. Insensatamente, algumas delas se endividam para crescer em um mercado em contração. Tentam se tornar exceção à regra empírica de que nenhuma empresa tem um desempenho consistentemente melhor que a média do seu mercado por muito tempo.
Para não falirem, decerto, as empresas terão de compensar a queda de ativos com a proporcional redução de passivos, inclusive os trabalhistas. Estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socieconômicos (Dieese) revela que as construtoras podem reduzir em até 67% a mão-de-obra empregada usando modernos métodos construtivos disponíveis no mercado e que o uso de novas tecnologias continua restrito a um pequeno número de empresas voltadas, sobretudo, para os empreendimentos corporativos, nos quais a rapidez da obra é exigida por reduzir o prazo de retorno dos investimentos.
A absorção de tecnologia nesse setor está ocorrendo lentamente, e de maneira heterogênea. Processos e materiais usados em países desenvolvidos há décadas somente agora começam a ser empregados no Brasil e, mesmo assim, timidamente.
Em trabalho encomendado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo apontou como um dos pontos críticos do problema a falta de conhecimentos sobre tecnologias que reduzem os custos e prazos de execução das obras por parte da indústria da construção.
* Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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