Edson Sardinha
Disputas atrapalharam as investigações
Câmara versus Senado, PF contra PF, Brasília versus Rondônia. Promessas e mais promessas. As investigações do assassinato do senador Olavo Pires (PTB-RO), executado com 14 tiros em outubro de 1990, esbarraram nas espertezas dos assassinos e nas disputas de bastidor. Em consequência, o assassinato de um senador da República aos poucos caiu no esquecimento e os criminosos continuaram impunes.
As brigas entre autoridades e instituições permeiam as cerca de 8 mil páginas do relatório final da CPI da Pistolagem, concluída em 1994, às quais o Congresso em Foco teve acesso. A comissão investigou a ação de matadores de aluguel nas regiões Norte e Centro-Oeste por um ano e meio.
O relatório final da CPI desnudou o constrangimento do Senado em apurar as causas do assassinato de um de seus integrantes, suspeito de ter envolvimento com o narcotráfico. A ausência de senadores no velório e no enterro de Olavo apontava o distanciamento que a Casa queria manter de um cadáver crivado de balas e polêmicas.
“Acovardado, o Senado Federal, temendo ver ligada a instituição ao tráfico de entorpecentes, aos olhos da opinião pública, recuou e nada fez”, atacou o relatório do então deputado Edmundo Galdino (PSDB-TO).
A CPI descartou o envolvimento de Olavo com o narcotráfico e acusou o Senado de contribuir para a condenação pública do senador ao se curvar a uma “campanha difamatória”.
“Esta comissão parlamentar de inquérito, instituída pela Câmara dos Deputados, ao fim de suas investigações, pode afirmar categoricamente: Olavo Pires não tinha vínculos com o narcotráfico, nem foi morto a mando de narcotraficantes. Olavo Pires foi assassinado a mando de grupo que se formou agrupando interesses econômicos e políticos”, relatou.
Os deputados criticaram a atuação tímida do Senado no caso, restrita a uma comissão formada por três senadores – Odacir Soares (PFL-RO), Márcio Lacerda (PMDB-MT) e Ronaldo Aragão (PMDB-RO) – designados para acompanhar as apurações. O colegiado nada produziu.
Gov. de Rondônia
Odacir Soares participou de comissão do Senado que nada concluiu sobre o assassinato do senador
“Um senador da República é assassinado, e sua Casa Legislativa comporta-se como se nada houvesse ocorrido! É fácil imaginar que tipo de exemplo deu-se aos cidadãos brasileiros”, acrescentou a comissão parlamentar de inquérito.
A CPI foi rigorosa com a Secretaria de Segurança Pública e com o Ministério Público de Rondônia ao condenar as “trapalhadas” de suas investigações e, por extensão, a falta de conclusões. “Na verdade não houve investigação: houve encenação.” A migração para o governo Oswaldo Piana dos principais responsáveis pelas apurações aumentou a desconfiança sobre o então governador.
Terceiro colocado no primeiro turno, ele foi convocado às pressas para disputar o segundo turno com a morte de Olavo. Acabou surpreendendo ao derrotar Valdir Raupp na eleição de 1990.
“Em dado momento, o assassino de Olavo Pires esteve preso e, preocupado em preservar sua integridade física, dispôs-se a confessar o crime; ao apontar o mandante, porém, ouviu do responsável pelo inquérito: ‘Esse não serve. Assuma outro”’.
A passagem do relatório se referia à confissão feita por Carlos Leonor de Macedo e João Ferreira Lima, acusados pela CPI de serem os assassinos do senador Olavo. Os dois haviam apontado, em 1993, o então governador Oswaldo Piana como mandante do crime. Em depoimento à comissão, recuaram. Relataram ter assumido a culpa por não suportar mais as torturas da Polícia Civil de Rondônia. Teriam acusado Piana para criar um “fato político” em Brasília.
Carlos Leonor (à esq.) e João Ferreira Lima, principais suspeitos de assassinar o senador, acusaram Piana de ter encomendado o crime, mas voltaram atrás na denúncia
Além de Carlos Leonor e João Ferreira, o governador, seu vice, Assis Canuto, e o empresário Assis Gurgacz foram os principais alvos da CPI no relatório final. Eles integravam, de acordo com os deputados, os grupos econômico e político cujos interesses seriam contrariados num eventual governo Olavo.
Igrejinhas e vice-reis na PF
A comissão também voltou a artilharia para o ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral e o ex-diretor da Polícia Federal Romeu Tuma. Lembrava que Olavo não havia sido atendido em seu pedido de proteção endereçado ao Ministério da Justiça e à PF um mês antes do assassinato. “Em nenhum dos casos foram tomadas quaisquer providências”, afirmou o texto da CPI, lembrando o jogo de empurra entre as instituições.
“Talvez o Dr. Tuma tenha prestado um dos maiores desserviços deste país ao dizer que se tratava de um crime compartimentado”, criticava o relator da comissão, Edmundo Galdino (PSDB-TO).
Logo após o crime, o então diretor da PF aumentara as suspeitas de que o assassinato teria ligações com o narcotráfico ao associar o caso a um modelo muito utilizado em acertos de conta entre traficantes. No crime “compartimentado”, os envolvidos em uma etapa do processo desconhecem os demais.
“Quem furtou o Gol de onde saiu o matador não sabia para que ele seria utilizado, nem quem seria o pistoleiro. Quem contratou o pistoleiro não sabia quem dirigia. E assim por diante”, dissera Tuma.
A atuação do ex-diretor da PF foi atacada também por um de seus sucessores. O então comandante da Polícia Federal, Coronel Wilson Romão, esteve na CPI para reclamar da herança deixada pelo grupo de Tuma, que lhe faria oposição interna. Além da falta de recursos e de estrutura da instituição, o então recém-empossado Romão se queixava dos “vice-reis” da PF que estariam agindo à sua revelia.
Fábio Rodrigues Poz
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