Marcos Magalhães*
A intimidade com o traçado das ruas de Nova York poderia tê-lo feito passar por um nativo, mas o leve sotaque ainda demonstrava a sua origem africana. Mais de dez anos depois de chegar à cidade, aquele motorista de táxi tem colecionado observações sobre o modo de vida americano. E destila ceticismo ao comentar a até agora irresistível ascensão política de Barack Obama. “O dinheiro e as armas mandam neste país”, disse o imigrante após receber o pagamento pela corrida. “E dificilmente os donos do dinheiro e das armas vão deixar Obama fazer o que pretende”.
O primeiro candidato negro com reais chances de chegar à Casa Branca empolga muita gente fora dos Estados Unidos. Gente que sonha com um mundo menos violento e menos desigual – mesmo sem se deixar levar pela ilusão de que, se eleito, Obama promoveria algum tipo de revolução a partir de Washington. Depois do fiasco da presidência de George W. Bush, a simples possibilidade de alternância de poder no país mais poderoso do planeta encontra simpatizantes por todo o mundo.
Nenhum desses simpatizantes estrangeiros, porém, vota. E aqueles que decidem parecem hoje envolvidos por uma densa neblina de perguntas sem respostas. Quem é mesmo esse Obama? O que ele pretende fazer com a política externa dos Estados Unidos? Que soluções ele terá para a cambaleante economia americana? E o que esse filho de africano negro com uma mulher branca americana teria a ver com os tais valores predominantes até aqui no país?
O motorista novaiorquino foi mesmo cáustico ao comentar as chances de sucesso de Obama poucos dias antes da convenção do Partido Democrata. Pode ser que não exista tamanho fatalismo na política norte-americana. Pode ser que os donos do dinheiro e das armas acabem se sentindo confortáveis sob a presidência de um político diferente que fala abertamente em mudanças na economia e na condução das questões militares da única superpotência restante do mundo. Mesmo assim, parecem existir mais dúvidas do que certezas nas mentes e nos corações dos americanos.
Quando se acompanha de longe o desenrolar da campanha presidencial dos Estados Unidos, imagina-se um país rendido ao entusiasmo de Obama. Muita gente, de fato, está apostando em um retorno em grande estilo do Partido Democrata à Casa Branca – agora, com o simbolismo do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Ao conversar com americanos de diversas origens, porém, percebe-se que muitos eleitores – até mesmo os que se declaram democratas – sentem-se um pouco desconfortáveis com a chegada do momento de depositar o seu voto.
Quando o assunto é dinheiro, parece haver um consenso sobre a necessidade de mudanças na política econômica. Depois de herdar um país com as contas em ordem, Bush promoveu mais uma daquelas revoluções conservadoras na economia. Reduziu impostos, beneficiando principalmente os ricos, e deixou o déficit nas contas públicas voltar às alturas. Mas o que fazer agora? Caso elejam o republicano McCain, os americanos terão um pouco mais do mesmo, sob nova embalagem. Obama, por sua vez, aposta em uma reforma tributária para dar início às mudanças.
A agenda de Obama, como escreveu recentemente David Leonhardt na The New York Times Magazine, não começa com o aumento de impostos para reduzir o déficit público, como fez o ex-presidente Bill Clinton. Mas sim com uma mudança na legislação tributária, para que se cobrem mais impostos das famílias que ganham mais de US$ 250 mil por ano e se cobre menos de todas as outras famílias. “Com isso se começaria a encarar a questão da desigualdade”, prevê Leonhardt. E a partir de então, prossegue o colunista, começariam a ser feitos investimentos em áreas como infra-estrutura e energias alternativas, para se criarem empregos e para se enfrentar o problema do aquecimento global.
Se o assunto são as armas, Obama acena com uma postura bem menos agressiva que a do atual presidente norte-americano. O candidato democrata promete encerrar a ocupação do Iraque e acena com a abertura e diálogo político até mesmo com os governos de países até hoje considerados inimigos dos Estados Unidos.
Para observadores fora dos Estados Unidos, as promessas de Obama para a economia e para a política externa muitas vezes fazem sentido. Dentro do país, porém, essas propostas são freqüentemente vistas com desconfiança. Na economia, por exemplo, o candidato democrata tem sido acusado de aderir a uma espécie de social-democracia à européia, algo que soa como um grave pecado no país que tanto preza a confiança de cada um no próprio esforço. Na área militar, muitos americanos temem ver como comandante-em-chefe das Forças Armadas um quase desconhecido.
Falta pouco tempo para saber que sentimento prevalecerá entre os eleitores do país mais poderoso do mundo. A decisão que eles vierem a tomar poderá, de certa forma, afetar as vidas de muitas pessoas em diversas partes do planeta. As pesquisas apontam uma pequena diferença a favor do candidato democrata. Mas ainda é cedo para dizer para que lado se inclinará o coração de cada um dos milhões de eleitores cheios de perguntas, o coração de cada americano intranqüilo.
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