A proposta de reforma do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) endurece a chamada Lei Seca, aumenta as penas para quem comete crime no trânsito e praticamente dobra o valor das multas aplicadas ao motorista brasileiro. O anteprojeto, que está pronto para ser votado na próxima terça-feira (6) numa subcomissão da Câmara, inclui o homicídio culposo (sem intenção) e institui a figura das “direções homicida e suicida” no Código e prevê prisão até em regime fechado para quem for pego dirigindo embriagado.
Entre outras medidas, a proposta prevê “tolerância zero” para o álcool na direção. Atualmente, a concentração permitida por lei é de seis decigramas de álcool por litro de sangue. O relatório do deputado Marcelo Almeida (PMDB-PR) elimina esse índice e considera embriaguez o consumo de qualquer quantidade de bebida alcoólica. O texto estabelece, ainda, que o juiz poderá usar outros meios de prova para incriminar o motorista infrator, como vídeos, fotos, testemunhas e laudos, caso ele se recuse a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue.
Leia ainda: O que pode mudar no Código de Trânsito
“É preciso criar provas paralelas para incriminar o motorista infrator”, defende o deputado. Muitos motoristas se valem do direito de não produzir provas contra si e deixam de fazer o teste do bafômetro, ressalta o peemedebista.
Multa e reclusão
A reforma no Código de Trânsito em análise pelos deputados também mexe com o bolso do motorista, ao estabelecer um reajuste de até 89,94% no valor das multas. Caso a proposta venha a ser aprovada, os valores das multas de trânsito passarão a ser de R$ 363,80 (para as infrações gravíssimas); R$ 242,53 (grave); R$ 161,69 (média) e R$ 101,05 (leve). Esses valores podem ser agravados em até cinco vezes, podendo atingir o valor máximo de R$ 1.819,00.
Marcelo Almeida admite que o Congresso resistirá a aprovar, num ano eleitoral, um reajuste significativo das multas. Mas ele afirma que vai insistir na proposta. “O país tem multas muito leves”, avalia. O relator diz que muitas localidades estão deixando de multar porque o custo da aplicação da multa, muitas vezes, supera seu próprio valor.
Código Penal
A proposta de mudança na legislação de trânsito também atinge o Código Penal. O relatório determina que o motorista que dirigir “sob a influência de álcool ou de substância psicoativa que determine dependência” poderá ter de cumprir a pena de reclusão, que varia de seis meses a três anos. Atualmente, essa pena é de detenção. A diferença é que, enquanto na reclusão o sistema de cumprimento da pena mais grave é o fechado; na detenção, o regime semi-aberto é o mais severo.
Em outro ponto, a proposta tipifica o crime de homicídio culposo no trânsito (quando não há a intenção de matar). A pena prevista é de quatro a 12 anos de reclusão, combinada com a suspensão ou proibição de dirigir caso o motorista tenha praticado o crime sob influência de bebida alcoólica ou outra droga, participando de racha ou transitando em velocidade superior a 50 km/h à máxima permitida.
Direção homicida-suicida
O anteprojeto também tipifica o crime de direção homicida-suicida: quando o condutor dirige com “temeridade manifesta e desapreço consciente à vida alheia”. A pena prevista é de três a dez anos de reclusão, além da suspensão ou proibição de se obter a habilitação para dirigir. “Estamos levando o Código de Trânsito para dentro do Código Penal”, resume Marcelo Almeida.
Na avaliação do deputado, é preciso endurecer a legislação e intensificar a educação para reduzir os índices que dão ao Brasil o quinto lugar no ranking mundial de mortes no trânsito. Para ele, as atuais multas aplicadas no trânsito brasileiro são muito baixas e, somadas à falta de fiscalização, encorajam os motoristas a continuarem cometendo infrações.
“É preciso manter o caráter de desestímulo às infrações ao Código”, defende. Entre outras mudanças, ele propõe o aumento da punição para quem participa de rachas. Se aprovado, o fator multiplicador da multa passará de três para cinco vezes.
Todos os anos, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 35 mil brasileiros perdem a vida em acidentes de trânsito. A maior parte dos acidentes é provocada por imperícia dos condutores.
Fiscalização e polêmica
O relator observa que mesmo a Lei Seca (11.705/08), em vigor há dois anos, não tem produzido os efeitos esperados. De acordo com a norma, comete crime quem dirige apresentando seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue. Com fiscalização intensificada nas proximidades de bares em diversas cidades, a lei gerou polêmica, protesto e mudança de hábito por parte de alguns motoristas.
Durante os primeiros 12 meses da Lei Seca, o Ministério da Saúde detectou uma redução de 2,3 mil mortes em relação ao mesmo período anterior. Mas de lá pra cá, ressalta o deputado, a fiscalização afrouxou e os motoristas voltaram a dirigir após ingerirem bebida alcoólica. O resultado, avalia, é que os números de mortalidade no trânsito estão voltando em 2010 aos mesmos patamares verificados antes da nova lei.
Muito veículo, pouca educação
O relator da reforma do Código de Trânsito avalia que os problemas da área podem ser resolvidos por meio de duas medidas. A primeira é usar parte do dinheiro público usado para o superávit primário (economia que o governo faz para pagar juros da dívida) para campanhas educativas e blitze ostensivas. “O remédio é muito fácil e barato, mas o Brasil não faz”, afirma.
Além disso, o parlamentar critica a política do governo de baratear carros e motos. Com isso, explica, o aumento de veículos nas ruas e estradas brasileiras provoca o aumento nos acidentes. “A rápida motorização, que é a relação de carros por habitantes, nos tornou uma China, uma Índia”, critica. “O cidadão no interior do Paraná não tem mais cavalo. Tem moto”, observa.
Mais mudanças
A proposta de reforma do Código de Trânsito está sendo discutida desde abril de 2009 numa subcomissão especial da Comissão de Viação e Transportes, da Câmara. A subcomissão especial da Reforma do Código de Trânsito reuniu mais de 170 projetos de lei com a finalidade modificar a legislação. Os projetos com parecer pela aprovação foram inseridos em um anteprojeto de lei, anexado ao relatório, propondo a alteração de 78 artigos e acrescentando 18 novos dispositivos ao Código.
Além de aumentar o rigor com os motoristas, a proposta estabelece outras mudanças como restrição para propaganda de veículos e retirada da responsabilidade do condutor pelo não uso do cinto de segurança por parte do passageiro.
“A cultura de não usar cinto é grande em ônibus e vans”, explica o parlamentar, queixando-se do desconforto do acessório. Para ele, não é justo penalizar o condutor pelo erro dos passageiros. O deputado diz que costuma retirar a proteção para dormir sempre que viaja em ônibus intermunicipais.
Outra sugestão encampada por Marcelo Almeida permite que o adolescente de 17 anos dê início ao processo para tirar a permissão três meses antes de completar 18 anos. Nesse período, ele poderá fazer exames teóricos de direção e de primeiros-socorros, mas continuará proibido de ter aulas ao volante.
A proposta também prevê o arquivamento sumário da multa que não tiver sido aplicado até dois anos após o auto de infração e prevê efeito suspensivo os processos administrativos, impedindo a pontuação na carteira até o final da demanda, mecanismo inexistente hoje.
Caso seja aprovado pela subcomissão da Reforma do Código de Trânsito, o anteprojeto será analisado pela Comissão de Viação e Transportes. O projeto de lei também terá de ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça antes de chegar ao plenário.
Deixe um comentário