Franklin Brasil e Marcus Braga *
Feriado de Tiradentes de 2015. Torcida brasileira em peso assistindo a Barcelona e Paris Saint-German. De um lado, Neymar no ataque. Do outro, David Luiz na defesa. Dois gols de Neymar e a exaltação do craque. Repete-se o roteiro mais comum do futebol: destaque dos atacantes, ostracismo da zaga.
Ainda no clima da Copa do Mundo, que provoca arrepios na memória canarinha, que tal o futebol como metáfora para a gestão pública?
Notaram que nas recentes discussões sobre corrupção, fraudes, desvios e outras milongas, todo mundo quer mesmo é jogar no ataque? Desse jeito, não sobra ninguém pra jogar na zaga.
Vamos entender. Estoura um escândalo atrás do outro, um mais cabeludo que o precedente e aparecem caçadores de corruptos de todo lado. Gente que investiga, prende, acusa, processa, julga, condena. Todos atacantes. Todo mundo querendo marcar gol e derrotar essa famigerada corrupção, esse adversário incansável, matreiro, cheio de esquemas.
Mas a corrupção não joga sozinha. Ela é a linha de ataque de um time bem armado, bem treinado e ensaiado. É o time das fragilidades na gestão, do desperdício, da incompetência administrativa. Um time de craques invisíveis, mas de gols perceptíveis a curto, médio e longo prazo.
Um ato de corrupção é um sintoma de fragilidades nos controles internos das organizações. E para atacar essas fragilidades, precisamos reforçar a …zaga!
Isso mesmo, leitor. Não precisa coçar os olhos, pois você não leu errado…Se a nossa seleção só tiver atacante, podemos até fazer gol, comemorar prisões, delações, condenações, mas terminaremos por tomar um monte de gols sem nem ficar sabendo de onde estão vindo os petardos.
Time que joga demais na ofensiva, toma bolada nas costas. Já dizia o mestre Zagallo que a melhor defesa é o ataque. Fica a reflexão: será que só “combater a corrupção” resolve mesmo os problemas da gestão pública? Necessitamos olhar para o passado para pensar o futuro?
Precisamos fortalecer o meio de campo e os zagueiros também! Profissionalização, capacitação, planejamento estratégico, análise de riscos, controles internos, criação e divulgação de canais de denúncias, transparência, monitoramento. Esses são os nossos craques esquecidos, pouco valorizados no jogo da gestão pública, mas que tem o potencial de virar qualquer jogo no decorrer dos 90 minutos.
Não podemos nos empolgar com a torcida adversária gritando “Gol”! Os controles internos formam a linha de defesa mais bem organizada de que se tem notícia. Tanto é assim que escândalos financeiros mundialmente famosos fizeram nascer o referencial internacional de orientações do Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), um modelo de gestão de riscos com base em controles internos, que fortalece os aspectos preventivos na atuação cotidiana do gestor. No setor público, controles internos somados ao incremento da transparência e ao fortalecimento do controle social, formam um escudo guardião de qualquer gestão em uma sociedade democrática.
Como qualquer defesa, esses elementos não fecham o gol. Há sempre a chance de um contra-ataque rápido, um esquema ardiloso, uma jogada desleal. Não há, portanto, garantia plena de vitória. Certeza, na vida, custa caro… Mas sem a zaga, sem prevenção, a partida certamente está perdida, por melhores que sejam os nossos atacantes.
Para combater a corrupção, o desperdício e a incompetência, precisamos valorizar a dimensão controle junto aos gestores, os compradores, os agentes públicos operadores da burocracia. A sociedade precisa entender, também, que faz parte desse jogo. Se só o ataque troca passes, só ele quer receber a bola, o adversário deita e rola no domínio do campo. E a zaga fica sozinha, perdida, sem efetividade.
Veja-se o exemplo da Controladoria-Geral da União, a CGU. É um órgão de controle interno do Executivo Federal. E se apoia em quatro pilares interligados: Ouvidoria, Auditoria, Correição e Prevenção. E essas funções dialogam com outros órgãos de controle, com organismos parceiros e com a sociedade. A CGU é um time com atacantes, meio campo, zagueiros e goleiro. E cada função dentro de campo é reforçada e requerida pelas demais, numa relação de sinergia, em busca da efetividade de seu papel, que é zelar pela boa e regular aplicação dos recursos públicos.
Esse modelo de Controladoria tem sido referência para os demais órgãos de controle interno espalhados pelo país, em que pese tenha sido arquivada a PEC 45/2009, que tratava do assunto. Um modelo baseado no equilíbrio de funções. É esse equilíbrio que dá sustentação ao time. As quatro funções básicas, ouvidoria, auditoria, correição e prevenção, coexistem em igualdade de forças, em interação intensa e balanceada. É o esforço do time, no jogo coletivo, que pode representar a capacidade de atender às reais demandas da sociedade: combater a corrupção, sim, mas sem deixar de lado o combate ao desperdício, a busca pelo aperfeiçoamento da gestão, a correção de rumos, a transparência, a parceria com a sociedade.
Na imprensa, é comum vermos esse destaque exacerbado do combate à corrupção como carro-chefe da função controle, mas essa visão despreza uma visão maior, mais estratégica desses órgãos de controle. A sociedade está cansada de levar frango de ladrões e corruptos. Sim, estamos. Mas, precisamos entender a raiz da força do oponente, associando essa força a outros fatores, como fragilidades nos sistemas de controle, desperdício e incompetência.
Nilton Santos foi o precursor de um novo estilo de jogador no futebol: aquele que defende e também ataca, versátil, polivalente. Foi eleito pela Fifa o melhor lateral esquerdo de todos os tempos.
Precisamos do espírito Nilton Santos na gestão pública. Zagueiros que sobem ao ataque. Atacantes que apoiam a defesa. Um meio de campo inteligente, dinâmico.
Podemos não ganhar todas. Mas teremos muito mais chances de comemorar o campeonato e fazer a alegria da torcida. E isso é o que importa, nos múltiplos campeonatos da vida.
* Franklin Brasil é eestre em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP; Marcus Braga é doutorando em Políticas Públicas pela UFRJ.
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