O artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado no jornal O Globo do último domingo (4) explicita o que será uma característica das eleições deste ano: será entre as montanhas das Minas Gerais que vai se travar o grande embate da sucessão de Lula. Mais uma vez Fernando Henrique foi criticado, porque, outra vez, posicionou-se sem consultar o comando do PSDB, e trouxe de volta uma discussão que, publicamente, o comando queria ver superada: a pendenga sobre se Aécio Neves será ou não vice de José Serra. Mas o artigo mostra coisas que estão no tabuleiro não só dos tucanos, mas também dos partidários da campanha de Dilma Rousseff. Nos cálculos de ambos, há a certeza de que para onde pender os votos mineiros se decidirá a eleição deste ano.
Uma informação vinda das tropas de Dilma Rousseff dá conta de que a ex-ministra da Casa Civil não anda nada feliz por ter de pagar justamente em Minas Gerais o que considera o pedágio mais pesado que o PMDB está impondo a ela. “Pedágio”, no jargão político, significa a cobrança de alguma compensação por parte de um aliado em troca de apoio. No caso, os peemedebistas impuseram à aliança a candidatura a governador de Minas do senador Hélio Costa. Dilma avalia que isso lhe dará um palanque fraco justamente num estado em que ela precisa fortemente angariar votos.
Primeiro, independentemente de ser Hélio Costa, o que ela preferia era ter um palanque petista em Minas. É indiscutível que a militância do PT tem uma força que as demais não têm. E sairia mais forte para apoiar uma candidatura própria, de Fernando Pimentel ou de Patrus Ananias (ele até desincompatibilizou-se para disputar algum cargo, mas a pressão que faz o próprio Lula é para que não seja de governador). Em segundo lugar, Dilma tem lá suas dúvidas de que Hélio Costa e o PMDB vão mesmo se mexer por ela. Farão isso se Dilma estiver bem nas pesquisas. Se ela não estiver forte junto ao eleitorado mineiro, os peemedebistas pragmaticamente cuidarão apenas das suas vidas.
Neste momento, com base no que lhe dizem as pesquisas, o quadro projetado por Dilma lhe mostra que ela tem vantagem, com grande possibilidade ainda de crescimento, sobre Serra no Norte e no Nordeste, onde Lula é quase uma unanimidade, com mais de 80% de popularidade. Mas Serra desconta no Sul e no Sudeste, que são justamente as regiões onde se concentra a maior parcela do eleitorado. Dilma vai bem no Rio de Janeiro, onde funciona bem a sua aliança com o PMDB do governador Sérgio Cabral. Mas sabe que terá dificuldades em diminuir a ampla vantagem de Serra em São Paulo, maior colégio eleitoral do país. No Sul, Serra tem desempenho bom no Rio Grande do Sul, e Dilma busca, ao lado do governador Roberto Requião, descontar no Paraná. Nesse quadro, Minas, segundo colégio eleitoral do país, ganha ares de fiel da balança.
Assim como Dilma, Fernando Henrique sabe disso. Daí, seu pedido de unidade entre Serra e Aécio. Nas duas últimas eleições, o corpo mole de Aécio ficou evidente para muitos tucanos. A partir da aliança que o governador mineiro fez com Fernando Pimentel, do PT, prefeito de Belo Horizonte, formou-se o que se apelidou de “Lulécio”, uma chapa informal em que o eleitor votava em Lula para presidente e em Aécio para governador. Fernando Henrique não quer que o “Lulécio” se transforme agora em “Dilmécio”, já que sabe muito bem que os ex-governadores de São Paulo e de Minas não morrem de amores um pelo outro.
Embora Dilma seja mineira de nascimento, sua identificação com o estado é pequena. Sua carreira pública está mais identificada com o Rio Grande do Sul. É por isso que uma das recomendações dos seus marqueteiros tem sido para que ela, agora, capriche no “panzin de queijo” e outras mineirices para reforçar suas raízes. Pode até atenuar a situação, mas o fato é que quem hoje manda politicamente em Minas é Aécio. É para onde ele pender – ou não pender – que deverá pender o eleitorado.
Cada dia mais improvável, a chapa Serra/Aécio de fato seria muito difícil de ser batida por Dilma. Porque aí, com Aécio pedindo votos para ele mesmo, ficaria quase impossível para Dilma obter o crescimento em Minas que é vital para ela. Se a chapa não sai, o que Fernando Henrique pediu publicamente para Aécio – e os demais tucanos pedem encarecidamente nos bastidores – é que ele não repita agora o corpo mole das duas últimas eleições. Com Aécio ao lado de Serra, avaliam, os dois garantem os votos nos dois principais colégios eleitorais e vencem Dilma.
No papel, perfeito. Resta saber que cálculo particular faz Aécio. Com uma eleição certa para o Senado, o que lhe garante melhores dividendos para o futuro? Fortalecer Serra garantindo-lhe agora uma eleição ou enfraquecê-lo de vez levando-o a uma nova derrota? Na primeira hipótese, Serra lhe ficará grato, e Aécio, habilidoso, pode tirar proveito de um retorno de seu partido e de seu grupo político ao poder. Na segunda hipótese, o fracasso de Serra vai alçá-lo ao inquestionável posto de aposta do PSDB para enfrentar Dilma em 2014 (ou ele pode voltar a lançar, em seguida, novamente a ideia de uma aliança PT/PSDB, uma vez que o principal obstáculo dessa tese, o tucanato paulista, ficará enfraquecido). Uma coisa é certa: além do nariz arredondado, o que Aécio herdou de Tancredo Neves foi sem dúvida um felpudo rabo de raposa política. Para acompanhar o que acontecerá daqui até outubro, convém ficar de olho nele.
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