Como entender a política num nível global, como captar os rumos, o sentido e o significado da geopolítica na atualidade? A quem devemos ou não dar crédito? Até porque a oferta de informação é tão maciça, imensa, quase infinita, muito acima da nossa capacidade de absorção. Hipoteticamente, se pudéssemos fazer uma seleção de textos a partir da leitura dos títulos disponíveis na internet ou no catálogo duma biblioteca pública de porte médio – e essa seleção por título é relativamente possível se o pesquisador tiver a priori um invejável cabedal de leitura – ainda assim, a investigação demandaria um tempo enorme. E tempo é tudo o que não temos sobrando, não, infelizmente, o mesmo que o dinheiro.
Creio que essa prévia seleção de leituras, esse recorte, essa abertura de pistas é a função do articulista em nossos dias, tanto quanto a do escritor e do pesquisador, no sentido de orientar as próprias escolhas e as de seus leitores. Imagine. Sou aquele leitor privilegiado: se consigo vender o texto para MIM, coitado de você! Enfim, enfim, tudo isso para introduzir um novo autor, um pensador sóbrio e equilibrado que é José Luís Fiori, professor de economia política internacional da UFRJ. Política internacional, claro, mas dum ponto de vista especializadíssimo nacional progressista.
Algumas questões pontuais [1] formuladas por Fiori indicam mudanças na geopolítica após 2001: 1) a rapidez com que com que foi soterrada a “utopia da globalização” e do “fim das fronteiras nacionais”, que mobilizou tantas inteligências ao redor do mundo na década de 90; 2) a rapidez ainda maior com que o sistema mundial retornou à sua velha “geopolítica das nações”, com o fortalecimento das fronteiras nacionais e da competição econômica mercantilista; 3) o aumento da luta pelas hegemonias regionais, a exemplo dos países membros da União Européia ou do Mercosul.
Ele observa que na década de 80 falava-se na “retomada da hegemonia americana”, nos anos 90 celebraram-se a “globalização” e a vitória liberal, depois de 2001 o mote era o “império e a guerra global ao terrorismo”, e durante todo esse tempo o poder americano cresceu de forma contínua e incomparável. Subitamente, tudo mudou de forma surpreendente, tornando nebulosa a conjuntura internacional. Afinal, o que estaria ocorrendo?
Uma das causas fortes é sem dúvida a proteção e a defesa, por parte das nações, dos recursos naturais (água, petróleo, florestas) de seus territórios sob ameaça de esgotamento num futuro não muito distante, a outra, e não menos forte, reside no mecanismo de reprodução do próprio sistema mundial formado por estados nacionais, e esse mecanismo determina que a expansão ou acumulação de poder ocorra através da competição e da luta entre rivais que almejam a conquista de “um império mundial”, mas que nunca poderá ser alcançado sem o automático desaparecimento do próprio sistema mundial, que vive da competição entre os estados e assim ad infinitum.
Atualmente nos Estados Unidos existe um sentimento de impasse e perplexidade: quinze anos após o fim da Guerra Fria, suas intervenções militares não expandiram a democracia nem os mercados livres; as guerras aéreas não foram suficientes sem a conquista e a ocupação dos territórios devastados, inclusive após vitórias militares, eles não deram conta do controle territorial, nem da reconstrução dos países derrotados. O fato é que hoje ninguém mais acredita em “guerra global ao terrorismo”, que se tornou sinônimo de bobagem, cascata, conversa pra boi dormir. Bullshit.
Por hoje acabou o espaço, próxima coluna continuamos destrinchando “este complicado xadrez mundial” armado por J.L.Fiori.
[1] Publicadas em dois artigos, “A corte e as nações” in Valor Econômico, 28/2/2007 e “Estranha forma de governar o mundo” in www.brasildefato.com.br março/2007. Para uma análise mais detalhada ver Fiori, José Luís. O Poder Americano. Petrópolis, Vozes, 2004.
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