Renato Casagrande*
O Congresso Nacional foi, mais uma vez, subjugado nas suas funções a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal aplicou na prática a regulamentação constitucional que restringe o uso de medidas provisórias para atender a despesas realmente imprevisíveis e urgentes. Provocada, a Suprema Corte nada mais fez do que aplicar os termos do artigo 62 combinado com o artigo 167 da Constituição Federal, que trata da edição de MPs e da utilização de créditos extraordinários.
E por que, mais uma vez, assistimos à ingerência de outro poder em assuntos legislativos? A resposta está na inércia que impede o Parlamento de tratar essa questão com a determinação de rever as práticas adotadas aqui no processo legislativo para as medidas provisórias. A rigorosa aplicação do artigo 62, parágrafo 9º da Constituição, já seria uma forma de racionalizar a prática de emissão de MPs pelo Executivo.
Outra face da resposta é a força política do Poder Executivo, traduzida nos altos índices de aprovação do presidente Lula e do seu governo, em contraste com o descrédito do Congresso Nacional. O desprestígio do Legislativo pelo Executivo acaba por colocar em xeque o sistema de freios e contrapesos, fundamental nas democracias modernas.
Honra seja feita, os presidentes das duas casas, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Garibaldi Alves (PMDB-RN), têm sido críticos ácidos do uso abusivo de MPs pelo governo. Nas palavras do senador Garibaldi, durante as comemorações dos 20 anos da Constituição Federal, “defender a Constituição de 88 é preservá-la, sobretudo, do que está sendo cometido contra ela por meio das MPs".
Falta aos partidos com assento no Parlamento, falta às lideranças do governo e da oposição mais vontade política de fechar um acordo para proceder à regulamentação do referido instituto.
Diante desse quadro, não avançamos em discussões sobre questões macro, como as reformas política, tributária e trabalhista; a modernização dos códigos Civil, penal e processual penal; leis ambientais, marco regulatório para o saneamento básico, lei do petróleo, além do aperfeiçoamento de políticas públicas em execução.
Em números: de 2003 a 2007, o governo do presidente Lula editou 310 medidas provisórias, média de 62 por ano. Só no seu último ano de governo, em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso mandou ao Congresso 82 MPs.
O Parlamento está numa encruzilhada. Ou se apruma e resgata seu papel de representante da sociedade frente ao Estado ou sucumbe ao esvaziamento de suas funções. O Supremo tomou uma decisão, de certa forma, antecipando-se ao processo legislativo. Foi, portanto, mais um sinal de alerta para que assumamos determinadamente as nossas prerrogativas democráticas e constitucionais.
*Formado em Direito e Engenharia Florestal, o senador Renato Casagrande (ES), 47 anos, é líder do PSB no Senado.
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