Marcos Magalhães*
As antenas de Caracas, mais ocupadas com a repercussão internacional do fechamento da maior emissora privada de televisão do país, podem não ter captado a mensagem. Mas o setor privado brasileiro começa a abandonar o silêncio e a deixar clara, junto ao governo, a sua preocupação com o andamento do ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul.
Em carta enviada ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, considera “urgente” que se promova um amplo debate com a sociedade sobre os objetivos, direitos e compromissos envolvidos no processo de adesão. Ainda na carta, divulgada pela Folha de S. Paulo, Monteiro queixa-se das pendências ainda existentes após a conclusão do trabalho do grupo criado para definir os detalhes da adesão da Venezuela.
Conduzido em velocidade aparentemente superior à indicada pela prudência, a adesão guarda mais semelhança com um movimento político do que com uma iniciativa econômica. Sob o ponto de vista do comércio dentro e fora do bloco, o ingresso do novo sócio tem causado mais preocupação do que otimismo. Dentro do bloco porque ainda não há clareza sobre o processo de transição para a adoção de normas como a tarifa externa comum. E fora porque, segundo os críticos, a adesão da Venezuela poderia vir a prejudicar negociações mais amplas do Mercosul com a União Européia e, até quem sabe, com os Estados Unidos.
O documento enviado ao governo pela CNI é direto: “Os possíveis ganhos econômicos do ingresso da Venezuela ao Mercosul são modestos frente às dificuldades que esse processo pode trazer tanto para a agenda interna quanto para a agenda externa do bloco”. Por isso, a confederação pede que as condições definitivas para a adesão garantam ganhos concretos – e não apenas retóricos – para as empresas brasileiras.
O questionamento da adesão venezuelana, pelo lado econômico, chega em um momento delicado, do ponto de vista político, para a Venezuela. Se os empresários já começam a se movimentar por condições mais favoráveis no processo de integração do novo sócio, não será surpresa se a inclusão do país no bloco econômico vier a ser contestada por causa dos passos mais recentes em direção a um ainda pouco definido “socialismo do século XXI”.
O fechamento da maior emissora privada do país – e a sua substituição por uma televisão estatal – não vai ajudar muito a conquistar simpatia para o governo venezuelano na região. A decisão pode agradar a quem já gostava das últimas medidas do presidente Hugo Chávez no caminho da consolidação do seu poder. Mas gera insegurança em relação à profundidade do compromisso de Chávez com a democracia. E o Mercosul, como se sabe, conta com uma “cláusula democrática”, que condiciona o ingresso de qualquer país a uma clara adesão aos princípios da democracia.
Assim como os empresários brasileiros evitaram bater de frente com Chávez, em um primeiro momento os críticos da condução política da Venezuela provavelmente se limitarão a apresentar publicamente as suas dúvidas em relação às intenções do presidente venezuelano. Mas nada garante que o volume das críticas – tanto econômicas quanto políticas – seja reduzido antes da votação, pelo Congresso Nacional, do protocolo de adesão do novo sócio ao Mercosul.
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